quarta-feira, 30 de setembro de 2015

PORTO VELHO, ENTRE O RIO E OS TRILHOS



Porto Velho, já nasceu poliglota. Pessoas vindas de várias nacionalidades, aqui praticavam sua língua. Heterogênea, os trabalhadores, possuindo origens diferentes, adotavam seus modelos culturais, inclusive a religião. Multirracial, os novos operários possuíam origens diversas, eram: negros, índios, asiáticos, europeus e do continente americano.
A cidade mesmo tendo parte de sua origem ligada a construção de um porto militar que daria suporte aos militares que atuavam na Guerra do Paraguai, terá realmente seu momento decisivo durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que somam inúmeras tentativas antes mesmo do surgimento da localidade as margens do velho porto.

Governador do Amazonas Dr. Pedrosa
Baseado em fontes documentais descobertas pelo pesquisador Antônio Cândido, segundo relatórios e declarações de Joaquim Catramby, vencedor da licitação para a construção da Estrada de Ferro já no século XX:
“ Se a estrada tivesse tido o seu ponto inicial em Santo Antônio, ter-se-ia podido contar o quarto desastre da Madeira Mamoré. Levado por essa convicção, e apesar do Tratado de Petrópolis determinar taxativamente que esse fosse o ponto de partida da estrada, procurei o então Ministro de Indústria, Viação e obras Públicas, Doutor Miguel Calmon, a quem expus as vantagens que me levaram a pugnar pela idéia de se dar começo a estrada em Porto Velho. Manifestando-se de acordo com essa idéia, o Ministro aprovou, pelo aviso número 2, de 16 de janeiro de 1908, a preferência dada a essa localidade para início da via férrea”.

Cidade de Porto Velho - RO
Como os contratantes da ferrovia consideravam Santo Antônio um ambiente muito doentio, além de não dispor de porto de atracação condizente com as exigências da companhia construtora da estrada, por ser cheio de pedras, tendo os navios que permanecer muito tempo distante do povoado para o desembarque de suprimentos e víveres. A partir de 1907 fica definido que a Estrada de Ferro Madeira- Mamoré teria suas obras iniciadas para o primeiro quilômetro na região do Amazonas, no antigo porto militar ou ponto militar posicionado a 7 km abaixo de Santo Antônio seguindo a margem direita do Rio Madeira.

A CIDADE DO PORTO

Com o início das obras do centro administrativo da empresa construtora da ferrovia no antigo porto, logo nas imediações, os trabalhadores iniciaram a construção de suas casas para o lado de Santo Antônio. Houve um esvaziamento natural da pequena localidade de Mato Grosso que fazia divisa com o Amazonas, pois, a nova localidade que se formava a partir dos canteiros de obra da ferrovia em 1908, era mais atrativa em virtude da existência da energia elétrica, telégrafo sem fio, posteriormente telefonia, além de outros atrativos.

Operários e construtores da ferrovia M-M. 
No dia 2 de outubro de 1914, era publicada a Lei número 757, criando o município de Porto Velho, decreto assinado pelo Dr. Jonathas Pedrosa, governador do Estado do Amazonas. No dia 24 de janeiro de 1915, instala-se solenemente, e era considerado município autônomo, sendo o seu Superintendente o major do exército Fernando Guapindaia de Souza Brejense.

Posto fiscal de Santo Antônio - Mato Grosso
A localidade, na opinião de Oswaldo Cruz em 1910, era um cenário de desorganização urbana no princípio, no qual residiam 800 habitantes. Todos os barracos eram de madeira, inclusive os grandes barracões da companhia construtora que entretanto, ficavam sobre pilares de alvenaria e tinham cobertura em telhas francesas; outros eram cobertos com zinco e sobre esteios de aquariquara ou itaúba, preferentemente, sendo a grande maioria improvisadas, cabanas de palha.
É por causa da maria fumaça, que as margens dos trilhos da ferrovia, ao seu redor Porto Velho surgiu, o povoado que brotava, ia sentindo as influências das mudanças na economia, lentamente foi se acomodando com o apito, agora melancólico, do trem, seguindo seu ritmo, embalado pelo chacoalhar de seus vagões esquecidos.
    
Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87 - Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098


sábado, 26 de setembro de 2015

A DECADÊNCIA DO CICLO DA BORRACHA


Em 1876, quando o ciclo da borracha ainda iniciava sua fase de progressiva expansão, uma medida decisiva, que no futuro próximo aniquilaria a economia do Estado, tinha sido levada a cabo: o contrabando de sementes de seringueira para a Inglaterra e, daí, para suas colônias na Ásia, onde seriam cultivadas.
Tal empresa foi concebida e realizada pelo botânico inglês, Sir Henry Wickhman, que embarcou clandestinamente cerca de 70 mil sementes para a Inglaterra, onde foram cutivadas experimentalmente em estufa. Dentre essas, vingaram 7.000 mudas, as quais foram transportadas para o Ceilão e, posteriormente, para a Malásia, Samatra, Bornéu e outras colônias britânicas e holandesas, nas quais se desenvolveram, passando a produzir uma seringa de maior qualidade e menor custo, o que provocou a queda dos preços da borracha e fez com que o quase monopólio da borracha pelo Brasil desmoronasse.


Em 1900, as colônias britânicas da Ásia disputaram o mercado com uma modesta oferta: apenas 4 toneladas. Porém suas exportações cresceram abruptamente e, em 1913, a produção brasileira. Já em 1913 o Brasil exportava 39 mil toneladas, enquanto a Ásia o superava com 47 mil toneladas.
A partir de então, a produção da seringa brasileira passou a despencar vertiginosamente, sobretudo face à queda dos preços da borracha no mercado internacional, que inviabilizava cada vez mais a atividade extrativa na região amazônica em função do seu custo. Porém, na Ásia uma borracha de boa qualidade era produzida em grandes quantidades a um custo bem mais baixo, o que levou o capital estrangeiro, ligado ao comércio e à distribuição do produto brasileiro no exterior, a abandonar o vale do Amazonas, visando seguros lucros no Oriente.


Com o declínio da economia gomífera que, por um lado, reduziu a pressão sobre as florestas e, por outro, isolou a região do contexto nacional e do capitalismo internacional, retornando à economia de subsistência, os produtos complementares à borracha passaram a se constituir na base da economia regional, entre os anos de 1920-40.

  
BORRACHA , O SEGUNDO SURTO



Eclode a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945). Os Estados Unidos entram no grande conflito, e o Japão bloqueia o Oriente, controlando as exportações dos países exportadores de borracha. Isso força os Aliados a se voltarem para a Amazônia. Assim, em 1942, é assinado o chamado Acordo de Washington, proposto pelos E.U.A. ao Brasil, visando empreender uma atuação conjunta que viabilizasse o crescimento rápido da produção da goma nativa.
Para tanto, estabeleceu-se que a agência norte-americana Rubbes Development Corporatin viabilizaria a criação do Banco de Crédito da Borracha, o qual deveria realizar com exclusividade o financiamento, a compra e a venda da borracha. Os Estados Unidos deveriam também participar do Serviço Especial de Saúde Pública e dos melhoramentos dos meios de transporte. Em troca, o Brasil fixaria um preço-teto pelo quilo da borracha que corresponderia a 25% do preço cobrado pela Bolívia e asseguraria a mão-de-obra necessária à atividade.
Estima-se que, entre 1942 – 1945, cerca de 100 mil nordestinos tenham chegado à Amazônia, os chamados “soldados da borracha”, para trabalhar nos seringais da região.


A missão desse contingente recrutado por Vargas não era segredo para ninguém: salvar os aliados da derrota para os países do Eixo. A propaganda oficial era um chamado. A vitória dependia da reserva de látex brasileira e da força de voluntários, chamados pela imprensa e pelo governo de “soldados da borracha”. Os nordestinos arregimentados não tinham a menor idéia do que era o trabalho nos seringais. Geralmente adoeciam e morriam facilmente. A partir de 1943 foi executado o movimento da segunda grande leva migratória pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA). Diferente da primeira, que teve como principal motivação o flagelo da seca nordestina, esta teve como móvel as passagens de graça para os navios do Lloyd Brasileiro.  A maioria dessas pessoas nunca mais voltou para casa. Em 2003, foi instaurada uma CPI na Câmara dos deputados para apurar a situação dos trabalhadores  enviados à Amazônia, entre 1942 e 1945. Muitos sobreviventes, hoje com mais de 70 anos, ainda vivem no Acre e Rondônia, duas regiões que receberam a maior parte dos soldados alistados. 

Contudo, tal como surgiu, o segundo surto da borracha também acabou, ou seja, rapidamente. Finalizada a guerra, o interesse americano e mundial pela borracha da Amazônia não tinha mais sentido. A região retornou ao isolamento e à economia de subsistência. A pobreza se acentuou e o governo federal interveio na região com outra política, tal como veremos a frente.

Aleks Palitot
Professor e Historiador