sexta-feira, 1 de novembro de 2024

TEOTÔNIO, a Vila histórica de Porto Velho.


A preocupação do governo português com o ouro do Madeira fê-lo tomar providência no sentido de que as viagens fossem levadas a efeito através do rio, daí passarem a escolher um local para colocarem um procurador posto ou quinto do ouro extraído da calha do rio e seus contribuintes ou por 10 anos e perderia tudo seu, inclusive escravos.


Tais preocupações resultaram em posicionamento dos capitães-generais das Capitanias do Pará e Mato Grosso, cuja pretensão inicial era reconstruindo um arraial nas proximidades de Salto Grande, quando o juiz de fora de Vila Bela da Santíssima Trindade, Teotônio da Silva Gusmão, convenceu as autoridades da metrópole e os governos das províncias a construírem a povoação, tendo-o como executor.

Conseguindo tal objetivo, Teotônio, que já se encontrava no Pará, em busca de recursos, levou consigo toda a família para a arrojada empreitada e dedicou-se de tal forma o magistrado do governo de Rolim de Moura, que foi inicialmente muito elogiado pelo governo do Pará, pois mostrava-se capaz de estancar possíveis pretensões espanholas naquelas paragens.


EM 1757, Teotônio da Silva Gusmão - depois de muita luta - chegou de Belém com numerosa comitiva, inclusive dois sacerdotes Carmelitas -Frei José de Jesus Maria e Frei João Evangelista. Fundou o arraial de Nossa Senhora da Boa Viagem do Salto Grande. Na realidade, ficou conhecido pelo nome de seu fundador.

Em 21 de fevereiro de 1759, o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado criava a vila de Salto Grande, embora o fundador, segundo o governo afirma em documentos enviados à corte, por ser muito nervoso e pouco conciliador, provocasse a evasão de seus auxiliares e a irritação dos Índios, que chegaram a desferir ataques ou se revoltarem com o tratamento que dele recebiam, resultando no abandono do lugarejo.



Em 1819, houve novas tentativas de povoar Teotônio: o tenente-coronel José Pereira da Silva, que terminou assassinado por escravos e, finalmente, o tenente Diogo de Ramos Cardoso, que resistiu às intempéries até 1825, quando viajou para o Pará. Quando Teotônio, que chegara a ser nomeado ouvidor de Cuiabá e deixara de assumir para ir fundar Boa Viagem, morreu em extrema pobreza em Santarém.


Oficialmente não teria havido mais nenhuma tentativa de nenhum governo provinciano, do Império ou da República, de povoar o local, até nossos dias. Na décadas de 50,60,70,80 e 90 do século XX, a região era uma grande comunidade de pescadores. 



Hoje, a região da antiga Teotônio está submersa pelo Rio Madeira, em virtude da construção das barragens. Seus antigos moradores foram deslocados para região próxima da localidade original, e ela se chama Nova Teotônio, se transformando em região turística.

Aleks Palitot

Professor e Historiador

domingo, 17 de setembro de 2023

Candelária, vestígios de uma História

 O problema crucial da construção da E.F. Madeira-Mamoré foi o sanitário. Insucessos ocorreram no século XIX. O primeiro aconteceu quando os trabalhos da Public Works Construction que se estenderam de julho de 1872 a janeiro de 1874 segundo relatam Craig: "Seus homens morriam como moscas”" e Manoel Ferreira: “Julgar-se pelas notícias próprias da época, o número de mortos deve ter-se elevado a centenas”.38

Durante a permanência da segunda empreiteira, P. & T. Collins, que durou dezoito meses, cobrindo parte dos anos de 1878 a 1879, não se fez o registro dos óbitos ocorridos entre os nativos, mas sabe-se que a mortandade foi grande, principalmente entre os cearenses.


Essas empresas contratadas pela National Bolivian Navigation organizada pelo Cel. George Earl Church que obteve a concessão do governo boliviano não conseguiram êxito devido à falta de conhecimentos científicos que não permitiram abordar a insalubridade local com bases em uma tecnologia científica comprovada.

Quando, em 1907, a última e vitoriosa tentativa de ser construída a ferrovia foi iniciada, a etiologia da malária já havia sido demonstrada, em 1898, pelos estudos de Ross, coadjuvados pelos de Grassi, e o combate às endemias veiculadas por mosquitos haviam obtido resultados positivos em Cuba e Rio de Janeiro, no âmbito da febre amarela, e no Canal do Panamá no que concernia à malária.

Encarando inteligentemente a questão sanitária e aproveitando as experiências de Cuba e do Panamá, a Madeira-Mamoré Railway Co., transferiu o início da ferrovia, de Santo Antônio do Madeira, área doentia onde grassava epidemicamente durante o ano todo, a malária, dizimando indiscriminadamente velhos, moços e crianças, para o barranco de Porto Velho, cerca de sete quilômetros rio abaixo, por apresentar excelentes condições sanitárias, naturais e hidrográficas.


Instalou-se, então a empresa construtora contratada, a May, Jekyll & Randolph em duas zonas distintas: a primeira, denominada Porto Velho, compreendida entre Porto Velho e o acampamento "Henrique Dias”, da zona norte, da Comissão Rondon, onde foi implantado o centro de serviços sanitários composto do hospital da Candelária e de postos situados na construção e exploração da linha.

O hospital possuía vinte e um pavilhões de madeira,cobertos de protegidas por telas de cobre visando impedir a entrada dos anofelinos. Esses pavilhões eram distribuídos na colina, sendo seis deles sedes de enfermarias, que medem 30m por 11,50m, podendo a áera total conter 250 leitos. Num destes pavilhōes está a sala de operações, provida de completo material de cirurgia, análises diversas.


Esse centro hospitalar tinha uma equipe comprometida, dedicada, chefiada pelo médico Carl Lovelace, responsável também pela enfermaria de primeira classe. A distribuição de médicos em 1910, segundo Oswaldo Cruz, todos norte-americanos, localizava-se sete em postos situados na construção e exploração da linha, quatro no Hospital da Candelária onde havia oito enfermeiros, na maioria diplomados , um no dispensário de Porto Velho e um para o navio que transportava pessoal de Manaus e Itacoatiara, portos fluviais onde havia um posto com um médico. Eram dezessete médicos no total. Dentre eles, os médicos Walcott, Belt, Walsh e Whitaker, responsáveis pelas enfermarias do Hospital da Candelária.

A assistência médica, portanto, foi, como ainda o é, no campo das grandes empreitadas de engenharia, uma forma de reduzir despesas, preservar os recursos humanos, qualificados ou não, e potencializar o resultado traduzido pela realização dos objetivos dentro dos custos compatíveis com a ordem econômica, social e política vigentes. E foi essa assistência médica prestada no Hospital da Candelária, ao longo da linha férrea e nos pontos de embarque e transporte dos recrutados, aliando aspectos curativos e preventivos que permitiram o sucesso da construção da estrada de ferro. Os leitos hospitalares eram complementados por um lazareto, escreve Oswaldo Cruz, em uma ilha próxima a Santo Antônio, destinado a doenças contagiosas, pois em Candelária somente havia enfermaria para isolamento de tuberculosos e amarílicos.


Tendo como cenário o Rio Madeira, o complexo era cercado de jardins, bem cuidados e de um pomar que o separava do cemitério. Eram mantidos frutíferas nativas ou aclimatadas à região, cujos frutos constituem uma das mais ricas fontes de elementos nutritivos para a alimentação humana. Inicialmente foram plantados 70.000 pés de abacaxis e 500 pés de rosa, cavalo, manguita, rosinha; laranjeiras, abacateiros,cajueiros, cupuaçuzeiros,cajaranas, gravioleiras, biribazeiros, ateiras, bananeiras, tais como: comprida, prata, branca, chorona, inajá, pacovão e dentre outras. Certa ocasião, à época do estio, um pavoroso incêndio que lavrara a alguns vento forte, o belo pomar, reduzindo milhares de árvores já crescidas em carbonizados troncos ou montões de cinzas.


Havia criadouros de aves domésticas e de porcos. Candelária foi um dos primeiros lugares no Brasil que se criou os gigantescos porcos da raça Berkshire, cujos capados, adultos, pesavam cerca de 200 quilos.

O cemitério ficava logo depois do pomar, local onde eram sepultados apenas os estrangeiros. Alguns túmulos apresentavam lajes em vários idiomas. Atente-se para um fato significativo: "No cemitério da Candelária só se enterravam alienígenas e uma única exceção, uma mulher brasileira, Lydia Xavier, cuja tumba tem inscrição em inglês, deveu-se ao fato de ser essa jovem amante de um engenheiro norte-americano que buscou, com esse enterro discreto, evitar o escândalo a que seria condenado o seu romance, se descoberto fosse". O óbito teve como causa o envenenamento com sublinado corrosivo. A infeliz Lydia, cometeu suicídio após uma briga com o amante.

Túmulos de Judeus no Cemitério 

A área onde foram instalados o hospital, o pomar e o cemitério pertenciam a "Um italiano chamado Bertini, que lhe dera o nome de Candelária em homenagem a festa de Nossa Senhora das Candeias, também dita de Purificação, que se celebra a 2 de fevereiro.

Escavações de arqueólgos da UNIR na Candelária

É desconhecido o fato de como esse sítio histórico foi adquirido por pessoas físicas. A certidão expedida a 9 de agosto de 1974, pelo escrivão do judicial, tabelião de notas e oficial de registro civil, Durval Gadelha, no Livro n° 3 - B de Transcrição das Transmissões, às folhas 92, consta o registro que o lote de terras denominado "Candelária", à margem esquerda da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, na altura do km 2, possui uma área de 24.359,21㎡ com os seguintes limites: ao norte, sul e oeste, Mamoré, cujo lote tem a forma de um polígono de seis lados, assim Ferrovia Madeira-Mamoré, a partir do km 2; dois lados, sendo um com 70m esquerdos, norte e sul com terras devolutas, no referido lote de terras estão plantados 70 mil pés de abacaxi e 500 bananeiras.

Esta Certidão de venda e compra foi lavrada em razaõ do governo do Território Federal do Guaporé, representado por seu Governador, Joaquím Puglia e sua mulher Cleonice Pontes Di Puglia, no valor de Cr$ 75.000,00 13 de junho de 1950, livro 18, fl. 51-52, pelo Tabelião Durval Gadelha. Alí posteriormente foi construído o prédio do Educandário Belisário Pena. Do pomar ainda restam poucos vestígios e túmulos do cemitério foram profanados.

Recentemente a Universidade Federal de Rondônia realiza as primeiras escavações nas antigas bases e ruínas do antigo hospital. Trabalho exemplar em prol da ciência e do resgate, realizado pelo curso de arquiologia da UNIR. Esse sítio tem valor excepcional do ponto de vista da história, da ciência médica e da beleza natural. 


Aleks Palitot

Mestre e Historiador

Fonte: Yeda Birzacov e Esron de Menezes

domingo, 10 de setembro de 2023

Porto Velho e seus símbolos oficiais

Os símbolos do Município de Porto Velho, (brasão, bandeira e hino), 1983 por uma comissão designada pelo Prefeito Sebastião Assef Valladares, julgadora foi assim constituída: professores Lorival Chagas da Silva, Odete Schokness, Ageu Rosa de Lima, Gesson Álvares de Magalhães e Raimundo Nonato Castro; jornalista Euro Tourinho; arquítetos Sílvio Machado e Luiz Leite de Oliveira; escritora Kléon Maryan; promotor de justiça e escritor Edson Jorge Badra; maestros Carlos Sinfontes e Luiz Machado; artistas plásticos João Zoghbi e Raimundo Paraguaçu de Oliveirae o militar Lauro Magalhães. Essa comissão teve o assessoramento do jornalista João Ciro Pinheiro de Andrade e da professora Madalena Neimaier Duarte, respectivamente, Coordenador de Divulgação de Turismo e Promoção do Gabinete do Prefeito e Diretora da Seção de Assuntos Culturais da Secretaria Municipal de Educação e Cultura.


A comissão escolheu dentre os projetos apresentados, 35 para o brasão, 52 para a bandeira e 12 para o hino, as propostas de autoria do poeta, escritor e acadêmico, fundador da Academia de Letras de Rondônia, Antônio Cândido da Silva (bandeira e brasão). A proposta vencedora do hino (letra e música), foi a do escritor e membro da Academia de Letras de Rondônia, Cláudio Batista Feitosa. Esses símbolos foram instituídos pela Lei Municipal n° 249 de 11 de outubro de 1983, assinada pelo Prefeito Sebastião Assef Valadares.

O simbolismo do hino é significativo e profundo. A interpretaçāo do autor, Cláudio Batista Feitosa, esclarece:

“No eldorado uma gema brilha / em meio a natureza, imortal:/ Porto Velho, cidade Ocidental, justamente no Eldorado - assim como é considerado o Estado privilegiada por concentrar todo um sistema de vias de transportes quadrantes - os interesses econômicos de Rondônia e de outras Unidades da Federação.

"São os teus raios estradas perenes/ onde 

transitam em várias direções / o progresso do 

solo de Rondônia / e o alento de outras 

regiões".


Essa peculiaridade geográfica harmoniza-se, coincide com imagem - sāo materializados pelas estradas existentes por onde viajam, céleres,a esperança e o progresso.

"Nasceste ao calor das oficinas / do parque da 

Madeira - Mamoré / pela forja dos bravos 

pioneiros / imbuídos de coragem e de fé".

Se as duas primeiras estrofes enaltecem a importância da situaçāo geográfica de Porto Velho no concerto da Amazônia Ocidental, a terceira enfoca a sua origem, as suas raízes, alimentadas pela coragem,pela tenacidade e pela fé dos bravos pioneiros, de quantas bandeiras, que vieram construir a Estrada de Ferro Madeira- Mamoré, no alvorecer deste século. Porto Velho, a cidade, nasceu realmente ao calor das oficinas da lendária ferrovia marco indelével do progresso e do desenvolvimento desta região do alto Madeira.

"És a cabeça do Estado vibrante; / és o 

instrumento que energia gera / para a faina 

dos novos operários, / os arquitetos de uma 

nova era".

Finalmente, vê-se Porto Velho projetando-se do presente para o futuro, para o lugar de destaque que a história lhe reservou. Em ligeiro retrospecto, os fatos registram que, mercê do seu desenvolvimento, Porto Velho é responsável pela conquista definitiva do Centro - Oeste da Pátria. Aqui, consolidou-se a trilha de Rondon, alargada, transformada em estrada de rodagem, corredor de exporaçāo da produção do Estado de País, pelo Mato Grosso, pela BR-364, que também, descortina, no sentido do Oeste, a “Saída para o Pacífico", pontificada como solução para o desenvolvimento definitivo do Centro-Oeste, O hino esalta porto e lho vibra, que se arremessa para o futuro garantido pela idreletrica de sua potencialidade para facilitar o trabalho dos nossos pósteros,dos pioneiros, saberão construir com maestria e perfeiçāo o futuro do Município e do Estado.

"No eldorado uma gema brilha / em meio a 

natureza, imortal: / Porto Velho cidade e 

Município, / orgulho da Amazônia Ocidental".

A última estrofe, idêntica à primeira, enfatiza a imagem da gema da jóia preciosa que é Porto Velho, que deve continuar brilhando, singela, nos ideais e nas vozes da juventude do nosso Município responsável pela preservaçāo da nossa memória.

A música é extremamente simples. Com apenas duas variedades propositadamente para facilitar a memorização das estrofes cujas palavras podem ser articuladas por completo, com indisfarçável facilidade, dispensados quaisquer artificios. O ritmo, moderadamente enérgico, sugere a seriedade e o clima, solene e respeitoso, exigido nas execuções dos hinos como este do Município de Porto Velho”. A partitura do hino do Município integra o patrimônio histórico material de Porto Velho.

Na configuração da bandeira contendo 2/3 na cor azul representando nosso céu "sempre azul” e 1/3 na cor amarela fazendo alusão às riquezas do Município, destacam-se as caixas d'água negras, à esquerda. Essas três caixas d'água instaladas pela empresa construtora da E.F. Madeira-Mamoré, resumem a história do surgimento de Porto Velho, centro administrativo e cultural do Estado.

O brasão é "constituído pela figura de três caixas d'água sobrepostas, da sable (negro), em meio a uma coroa formada por um torçal de plantas de arroz, à destra, e por um ramo de seringueira, à sinistra, encimada por uma estrela de cinco pontas, de prata, e sobre esta a legenda Porto Velho, de sable. Sob a figura das três caixas d'água, vê-se um fragmento representativo de uma ferrovia, de sable, composto de de sable. Todo conjunto repousa sobre uma magnificente resplendor de ouro formando uma estrelas de trinta pontos.



Os Símbolos do Município foram apresentados oficialmente à comunidade de Porto Velho em uma solenidade realizada dia 12 de outubro de 1983, na praça das Caixas D'Água, pelo Prefeito Sebastião Assef Valadares. Nessa ocasião, a bandeira foi hasteada pela primeira vez, sendo responsável pelo hasteamento, o engenheiro e professor José Otino de Freitas, Prefeito nomeado do Município de Porto Velho no ano de 1947.

Após 69 anos de criação o Município de Porto Velho que ainda não possuía seus símbolos identificadores, passou a tê-los e a usar seu brasão em documentos oficiais, seu hino entoado e sua bandeira hasteada.

Aleks Palitot

Mestre e Historiador


Fonte: Yeda Borzacov e Esron de Menezes

segunda-feira, 1 de maio de 2023

120 anos do Tratado de Petrópolis

O Tratado de Petrópolis (cujo nome completo era Tratado de Petrópolis. Permuta de territórios e outras compensações entre o Brasil e a Bolívia) foi assinado em 17 de novembro de 1903 após um longo histórico de tensões entre brasileiros e bolivianos no atual território, bem como uma série de negociações diplomáticas entre ambos os estados contratantes. 

Sob o ponto de vista jurídico, estava em vigor, até 1903, o Tratado de Ayacucho de 1867, de acordo com o qual o Brasil reconhecia o Acre como território boliviano. 

Sob o ponto de vista econômico, o Brasil estava passando, em 1903, pelo chamado ciclo da borracha (1879 1912)[1], período em que a exploração do látex, matéria-prima para a produção de borracha, aportou à região norte do Brasil uma importância econômica e social até então desconhecida naqueles confins. Conforme indicado por Flávia Lima e Alves: De fato, a produção industrial da borracha — viabilizada pelo processo de vulcanização inventado por Charles Goodyear em 1839 — deu origem ao advento dos pneumáticos, item fundamental da vigorosa e ascendente indústria automobilística.[2] 


Vale a pena lembrar que, no período entre 1870 (com a unificação da Alemanha) e 1914 (início da I Guerra Mundial), o ambiente econômico em que o mundo vivia era de extremo liberalismo, com pouquíssima ou nenhuma intervenção estatal, graças à adoção das teorias do economista David Ricardo. Há quem chame esse período de “primeira globalização”. A Grã-Bretanha e a Alemanha eram grandes concorrentes por matérias-primas sob o contexto da Segunda Revolução Industrial, competindo também por colônias, um dos motivos que levou à eclosão de Guerra de 1914-1918. 

A grande demanda pelo então chamado ouro branco levou grandes levas de brasileiros (especialmente nordestinos e, ainda mais especificamente cearenses, em razão das dramáticas secas que atingiam repetidamente a região) à selva amazônica, pela bacia do Rio Acre, com o propósito de aí realizar explorações extrativistas. 

Uma série de conflitos entre os imigrantes brasileiros e os bolivianos que também acudiram à região levou a uma forte tensão entre a Bolívia e o Brasil, tendo o chanceler brasileiro na ocasião, o Barão do Rio Branco, solucionado a questão mediante a assinatura do Tratado de Petrópolis de 1903. 


A atuação do Barão do Rio Branco


José Maria da Silva Paranhos Júnior (Rio de Janeiro, 1845 – 1912), o Barão do Rio Branco, é considerado o patrono da diplomacia brasileira. Em 1902, foi convidado pelo presidente Rodrigues Alves a assumir a pasta das Relações Exteriores, na qual permaneceu até a morte, em 1912. Segundo Francisco Fernando Monteoliva Doratioto[3]: Ele possuía sólidos conhecimentos sobre os países platinos, em virtude de seus estudos e por ter presenciado a ação platina de seu pai, o Visconde do Rio Branco, expoente conservador do Brasil Império e que estivera no Prata, em missões diplomáticas. 

O Barão do Rio Branco era tributário da visão realista das relações internacionais. De fato, de acordo com Cervo e Bueno: A visão realista de Rio Branco permitia-lhe perceber, como outros de seu tempo, o peso dos Estados Unidos na nova distribuição do poder mundial e o fato de que a América Latina estava em sua capacidade de influência. [...] Ademais, Rio Branco não via a possibilidade de se formar no continente nenhum bloco de poder capaz de opor-se aos Estados Unidos, em razão da fraqueza e da falta de coesão dos países hispânicos.[4] 


Doratioto resume em poucas linhas a formulação da política externa praticada pelo Barão do Rio Branco:
Rio Branco, porém, via o Brasil em posição de destaque na América do Sul, não de modo impositivo, mas, sim, decorrente de sua própria dimensão territorial, condição econômica e situação demográfica. Antes, porém, o país devia superar aquele isolamento e outras questões limitadoras de sua ação internacional, a saber: a definição de suas fronteiras; a restituição do valor primitivo de sua ação internacional e a reconquista da credibilidade e do prestígio do país, abalados por dez anos de conflitos internos, de desmoronamento financeiro e de flutuação dos rumos seguidos. Para tanto, consolidou o redirecionamento da política externa brasileira da área de influência da Grã-Bretanha para a dos Estados Unidos e aproveitou-se das contradições entre essas duas potências, que disputavam a preponderância comercial e a hegemonia política na América do Sul. A orientação externa implementada por Paranhos Júnior correspondia aos interesses do eixo econômico e político brasileiro, centrado nos setores agroexportadores de café da região sudeste, que tinham nos Estados Unidos seu maior mercado consumidor. O fortalecimento da burocracia diplomática com Rio Branco; sua experiência profissional e prestígio pessoal, bem como a crescente complexidade técnica dos assuntos externos, fizeram com que a ele coubesse conceber e executar a política externa do país, praticamente sem ingerência dos Presidentes desse período.[5]

Segundo Cervo e Bueno, ainda, a principal obra de Rio Branco foi a solução de pendências lindeiras. De fato, em 1903, no ano seguinte após sua nomeação, o Barão teve de enfrentar a chamada “questão do Acre”, a qual foi resolvida mediante a celebração do Tratado de Petrópolis.

Resultados do Tratado de Petrópolis. A construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré 

Como resultado da assinatura do Tratado de Petrópolis, o Brasil: (a) pagou à Bolívia o valor de 2 milhões de libras esterlinas; (b) indenizou o Bolivian Syndicate[6] em 110 mil libras esterlinas pela rescisão do contrato de arrendamento celebrado em 1901 com o governo boliviano; (c) cedeu à Bolívia algumas terras no Amazonas; e (d) comprometeu-se a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré para escoar a produção boliviana pelo Rio Amazonas. 

Versa o Artigo VII do Tratado de Petrópolis, in verbis: Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir em território brasileiro, por si ou por empresa particular, uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no Rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal que, passando por Vila Murtinho ou outro ponto próximo (Estado de Mato Grosso), chegue a Vila Bela (Bolívia), na confluência do Beni e do Mamoré. Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir no prazo de quatro anos, usarão ambos os países com direito às mesmas franquezas e tarifas. 



O objetivo principal da referida estrada de ferro era facilitar o escoamento de mercadorias (em particular a borracha) bolivianas e brasileiras até um local onde essas pudessem ser embarcadas para fins de exportação. No caso, o ponto de embarque era a cidade de Porto Velho, de onde as mercadorias seguiam por via fluvial, pelo Rio Madeira e em seguida pelo Rio Amazonas, até alcançarem o Atlântico. Esse trajeto evitava a penosa transposição de cachoeiras a que estava sujeito o transporte de mercadorias até então, feito de maneira precária, em pequenas embarcações indígenas. 

A construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (conhecida popularmente como Mad Maria ou Ferrovia do Diabo, em razão das milhares de mortes de trabalhadores ocorridas durante a sua construção) foi realizada entre os anos de 1907 (quando o financista-magnata estadunidense Percival Farquhar assumiu o respectivo contrato) e 1912. Em 30 de abril desse ano registrou-se a chegada da primeira composição ao município de Guajará-Mirim, conforme previsto no contrato. 

O monopólio da borracha brasileira dura até 1910, quando holandeses e ingleses iniciaram o cultivo intensivo de seringueiras no sul da Ásia (em particular, Sri Lanka, Malásia e Indonésia), e os belgas o fizeram no então Congo Belga, passando a concorrer diretamente com a borracha brasileira e oferecendo o produto a preços mais competitivos. Consequentemente, no norte do Brasil, desencadeia-se uma grave crise econômica, gerada pela falta de visão empresarial e governamental, além da ausência de alternativas para o desenvolvimento regional.[7] Desta forma, quando a Madeira-Mamoré foi concluída, em 1912, o ambiente econômico da região já era completamente desfavorável e aquilo que deveria ser uma obra grandiosa e servidora do progresso burguês, sustentado pelos capitais financeiros internacionais, tornou-se um gigantesco “elefante branco” no meio da selva. 

No início da década de 1930, o funcionamento da ferrovia foi temporariamente paralisado. Esta veio a ter sua importância renovada durante a Segunda Guerra Mundial, devido ao bloqueio ao comércio do látex malaio pelas forças japonesas de ocupação. Seu canto de cisne deu-se em 1972, quando foi definitivamente desativada. 


O legado da construção da ferrovia foi funesto. Estimam-se entre 5.000 e 6.000 as mortes de trabalhadores na ferrovia em razão de moléstias tropicais, ataques de índios e de animais selvagens, acidentes, desaparecimentos na mata, dentre outros motivos. Os trabalhadores eram das mais diversas nacionalidades: além de brasileiros, havia operários procedentes da Espanha, Barbados, Trinidad, Jamaica, Panamá e Colômbia. Foram identificadas, nos dados da Brazil Railway Co., 41 (quarenta e uma) nacionalidades diferentes nos obituários do serviço sanitário entre 1907 e 1912[8]. 

É interessante fazer um paralelo das nacionalidades que se fizeram presentes na construção da Madeira-Mamoré com a importação de mão de obra estrangeira, principalmente europeia e branca (com predomínio de italianos, alemães e espanhóis), e que se instalava majoritariamente nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. Esta imigração europeia se encaixava no contexto da política de “branqueamento” da população, estimulada pelo governo federal para substituir a mão de obra escrava, abolida em 1888, com o respaldo das teorias racistas então em voga. 

Por outro lado, o fenômeno das diversas exposições universais que ocorreram desde meados do século XIX até o início do século XX, sempre nos principais centros europeus (Londres, Paris, Viena) e estadunidenses (Filadélfia, Chicago, Saint-Louis, San Francisco), como expressões do poderio e exibicionismo burgueses, não deixou de causar impactos no Brasil, que passou a organizar Exposições Nacionais. É nesse contexto que surgiria o projeto de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, de acordo com Foot Hardman. 


De fato, nas palavras desse autor: Na cidade transfigurada do século XIX, as estações e linhas ferroviárias, os amplos mercados e novas avenidas, os jardins botânicos e o palácio de cristal em todas as suas réplicas foram alguns dos principais cenários dessa procura. [...] Mas a essas formas tipicamente urbanas, fundadas nos artifícios inovadores de técnicas arquitetônicas, haveria que articular os espaços sombrios ainda não completamente subjugados aos imperativos da civilização. Selvas e desertos, colônias longínquas e fronteiras por dividir: era preciso mapear a contento todas aquelas vastidões. Assim é que viajantes, exploradores, clérigos e militares vasculham o desconhecido, melhor, o semidesconhecido, deixando ali suas marcas e construindo, ao mesmo tempo, todo um arsenal de imagens da barbárie.[9]

O Tratado de Petrópolis de 1903 entre Brasil e Bolívia foi um dos atos da política externa do Barão do Rio Branco. Uma de suas consequências foi a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, para que a Bolívia pudesse escoar com mais agilidade sua produção de látex, dentro do contexto do ciclo da borracha. Com o fim do referido ciclo e a decadência dos seringais da Amazônia, a estrada de ferro perdeu a utilidade para a qual foi concebida e serve de memória histórica de uma época de ostentação burguesa e livre circulação do capital financeiro.


 Referências bibliográficas 

CERVO, Amado Luiz e BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. Brasília: Editora UnB, 2008. 

DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. A política platina do Barão do Rio Branco. Revista brasileira de política internacional, v. 43, n 2, p. 130-149. Brasília, julho/dezembro 2000. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292000000200006 (consulta em 04/12/2014). 

FOOT HARDMAN, Francisco. Trem-Fantasma: A ferrovia Madeira–Mamoré e a modernidade na selva. São Paulo: Companhia das Letras, 2005 (2ª edição revista e ampliada, 1ª reimpressão). 

LIMA E ALVES, Flávia. O Tratado de Petrópolis – Interiorização do conflito de fronteiras. Revista de informação legislativa, v. 42, n. 166, p. 131-149, abr./jun. 2005. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/495 (consulta em 04/12/2014). 

Referências literárias à Questão do Acre, ao Ciclo da Borracha na Amazônia e à Ferrovia Madeira-Mamoré: 

SOUZA, Márcio. Galvez Imperador do Acre. Rio de Janeiro: Record, 2010 (19ª edição). 

SOUZA, Márcio. Mad Maria. Rio de Janeiro: Record, 2005 (4ª edição). 

VARGAS LLOSA, Mario. El sueño del celta. Alfaguara – Santillana Ediciones Generales, 2010.