O problema crucial da construção da E.F. Madeira-Mamoré foi o sanitário. Insucessos ocorreram no século XIX. O primeiro aconteceu quando os trabalhos da Public Works Construction que se estenderam de julho de 1872 a janeiro de 1874 segundo relatam Craig: "Seus homens morriam como moscas”" e Manoel Ferreira: “Julgar-se pelas notícias próprias da época, o número de mortos deve ter-se elevado a centenas”.38
Durante a permanência da segunda empreiteira, P. & T. Collins, que durou dezoito meses, cobrindo parte dos anos de 1878 a 1879, não se fez o registro dos óbitos ocorridos entre os nativos, mas sabe-se que a mortandade foi grande, principalmente entre os cearenses.
Essas empresas contratadas pela National Bolivian Navigation organizada pelo Cel. George Earl Church que obteve a concessão do governo boliviano não conseguiram êxito devido à falta de conhecimentos científicos que não permitiram abordar a insalubridade local com bases em uma tecnologia científica comprovada.
Quando, em 1907, a última e vitoriosa tentativa de ser construída a ferrovia foi iniciada, a etiologia da malária já havia sido demonstrada, em 1898, pelos estudos de Ross, coadjuvados pelos de Grassi, e o combate às endemias veiculadas por mosquitos haviam obtido resultados positivos em Cuba e Rio de Janeiro, no âmbito da febre amarela, e no Canal do Panamá no que concernia à malária.
Encarando inteligentemente a questão sanitária e aproveitando as experiências de Cuba e do Panamá, a Madeira-Mamoré Railway Co., transferiu o início da ferrovia, de Santo Antônio do Madeira, área doentia onde grassava epidemicamente durante o ano todo, a malária, dizimando indiscriminadamente velhos, moços e crianças, para o barranco de Porto Velho, cerca de sete quilômetros rio abaixo, por apresentar excelentes condições sanitárias, naturais e hidrográficas.
Instalou-se, então a empresa construtora contratada, a May, Jekyll & Randolph em duas zonas distintas: a primeira, denominada Porto Velho, compreendida entre Porto Velho e o acampamento "Henrique Dias”, da zona norte, da Comissão Rondon, onde foi implantado o centro de serviços sanitários composto do hospital da Candelária e de postos situados na construção e exploração da linha.
O hospital possuía vinte e um pavilhões de madeira,cobertos de protegidas por telas de cobre visando impedir a entrada dos anofelinos. Esses pavilhões eram distribuídos na colina, sendo seis deles sedes de enfermarias, que medem 30m por 11,50m, podendo a áera total conter 250 leitos. Num destes pavilhōes está a sala de operações, provida de completo material de cirurgia, análises diversas.
Esse centro hospitalar tinha uma equipe comprometida, dedicada, chefiada pelo médico Carl Lovelace, responsável também pela enfermaria de primeira classe. A distribuição de médicos em 1910, segundo Oswaldo Cruz, todos norte-americanos, localizava-se sete em postos situados na construção e exploração da linha, quatro no Hospital da Candelária onde havia oito enfermeiros, na maioria diplomados , um no dispensário de Porto Velho e um para o navio que transportava pessoal de Manaus e Itacoatiara, portos fluviais onde havia um posto com um médico. Eram dezessete médicos no total. Dentre eles, os médicos Walcott, Belt, Walsh e Whitaker, responsáveis pelas enfermarias do Hospital da Candelária.
A assistência médica, portanto, foi, como ainda o é, no campo das grandes empreitadas de engenharia, uma forma de reduzir despesas, preservar os recursos humanos, qualificados ou não, e potencializar o resultado traduzido pela realização dos objetivos dentro dos custos compatíveis com a ordem econômica, social e política vigentes. E foi essa assistência médica prestada no Hospital da Candelária, ao longo da linha férrea e nos pontos de embarque e transporte dos recrutados, aliando aspectos curativos e preventivos que permitiram o sucesso da construção da estrada de ferro. Os leitos hospitalares eram complementados por um lazareto, escreve Oswaldo Cruz, em uma ilha próxima a Santo Antônio, destinado a doenças contagiosas, pois em Candelária somente havia enfermaria para isolamento de tuberculosos e amarílicos.
Tendo como cenário o Rio Madeira, o complexo era cercado de jardins, bem cuidados e de um pomar que o separava do cemitério. Eram mantidos frutíferas nativas ou aclimatadas à região, cujos frutos constituem uma das mais ricas fontes de elementos nutritivos para a alimentação humana. Inicialmente foram plantados 70.000 pés de abacaxis e 500 pés de rosa, cavalo, manguita, rosinha; laranjeiras, abacateiros,cajueiros, cupuaçuzeiros,cajaranas, gravioleiras, biribazeiros, ateiras, bananeiras, tais como: comprida, prata, branca, chorona, inajá, pacovão e dentre outras. Certa ocasião, à época do estio, um pavoroso incêndio que lavrara a alguns vento forte, o belo pomar, reduzindo milhares de árvores já crescidas em carbonizados troncos ou montões de cinzas.
Havia criadouros de aves domésticas e de porcos. Candelária foi um dos primeiros lugares no Brasil que se criou os gigantescos porcos da raça Berkshire, cujos capados, adultos, pesavam cerca de 200 quilos.
O cemitério ficava logo depois do pomar, local onde eram sepultados apenas os estrangeiros. Alguns túmulos apresentavam lajes em vários idiomas. Atente-se para um fato significativo: "No cemitério da Candelária só se enterravam alienígenas e uma única exceção, uma mulher brasileira, Lydia Xavier, cuja tumba tem inscrição em inglês, deveu-se ao fato de ser essa jovem amante de um engenheiro norte-americano que buscou, com esse enterro discreto, evitar o escândalo a que seria condenado o seu romance, se descoberto fosse". O óbito teve como causa o envenenamento com sublinado corrosivo. A infeliz Lydia, cometeu suicídio após uma briga com o amante.
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Túmulos de Judeus no Cemitério |
A área onde foram instalados o hospital, o pomar e o cemitério pertenciam a "Um italiano chamado Bertini, que lhe dera o nome de Candelária em homenagem a festa de Nossa Senhora das Candeias, também dita de Purificação, que se celebra a 2 de fevereiro.
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Escavações de arqueólgos da UNIR na Candelária |
É desconhecido o fato de como esse sítio histórico foi adquirido por pessoas físicas. A certidão expedida a 9 de agosto de 1974, pelo escrivão do judicial, tabelião de notas e oficial de registro civil, Durval Gadelha, no Livro n° 3 - B de Transcrição das Transmissões, às folhas 92, consta o registro que o lote de terras denominado "Candelária", à margem esquerda da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, na altura do km 2, possui uma área de 24.359,21㎡ com os seguintes limites: ao norte, sul e oeste, Mamoré, cujo lote tem a forma de um polígono de seis lados, assim Ferrovia Madeira-Mamoré, a partir do km 2; dois lados, sendo um com 70m esquerdos, norte e sul com terras devolutas, no referido lote de terras estão plantados 70 mil pés de abacaxi e 500 bananeiras.
Esta Certidão de venda e compra foi lavrada em razaõ do governo do Território Federal do Guaporé, representado por seu Governador, Joaquím Puglia e sua mulher Cleonice Pontes Di Puglia, no valor de Cr$ 75.000,00 13 de junho de 1950, livro 18, fl. 51-52, pelo Tabelião Durval Gadelha. Alí posteriormente foi construído o prédio do Educandário Belisário Pena. Do pomar ainda restam poucos vestígios e túmulos do cemitério foram profanados.
Recentemente a Universidade Federal de Rondônia realiza as primeiras escavações nas antigas bases e ruínas do antigo hospital. Trabalho exemplar em prol da ciência e do resgate, realizado pelo curso de arquiologia da UNIR. Esse sítio tem valor excepcional do ponto de vista da história, da ciência médica e da beleza natural.
Aleks Palitot
Mestre e Historiador
Fonte: Yeda Birzacov e Esron de Menezes