quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Porto Velho, faces de sua história

 A CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO E O MUNICÍPIO DE PORTO VELHO

 A criação do território federal do Guaporé bem sabemos deu-se 1943 e, para o município, a transformação da região em território foi impactante, pois Porto Velho, tornando-se sede do território foi beneficiado. Um bairro inteiro fora construído para funcionários do governo e ferroviários – o Caiari. Também Aluízio Ferreira mandou construir o campo de pouso, fez melhoramentos na estrada de Santo Antônio e Porto Velho-Vilhena. O terceiro governador do território, Frederico Trota, voltou-se para a educação. Criou o Curso Normal Regional ( Carmela Dutra) que funcionou durante um período nas estruturas do Duque de Caxias, tendo também realizado obras de importância para o município.


A partir de 1948, foram iniciadas as construções do fórum Ruy Barbosa, do “ Porto Velho Hotel” e do Palácio do Governo, além de inúmeras casas para residências de funcionários, da Escola Normal Regional “ Carmela Dutra”, do edifício sede da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, do edifício da Divisão da Educação, da maternidade e escolas rurais.



Porto Velho surgiu, como já explicamos em outro local deste trabalho, em virtude das obras da Estrada de Ferro Madeira Mamoré; logo deve essa estrada os primeiros benefícios urbanísticos. A partir da construção dos galpões e oficinas, pátio de manobra, estação ferroviária e porto fluvial, começaram a surgir outras obras importantes, utilizadas, ora como residências, ora servindo como logradouro onde colocavam banco, escola, prefeitura provisória, hotel e até mesmo local para ministrarem cultos religiosos das igrejas católica, anglicana e Batistas. Então iniciou-se políticas públicas para rede de esgotos, fornecimento de água e energia elétrica. Foi durante a construção da ferrovia Madeira Mamoré que se implantou aqueles serviços, tendo à água e esgotos, sem que, entretanto, tenha a ferrovia alguma planta que aponte os serviços realizados e constituídos.



Embora os prefeitos tenham, realizado alguma obra de pequena monta, é verdade que, somente a criação do então Território do Guaporé, quando foi fundado o Serviço de Abastecimento de Água, Força e Luz do Território – ( SAALT), e que se andou implementando a estação e rede de água e luz agora sob responsabilidade do governo territorial.

O calçamento com pedras teve início na gestão do prefeito Carlos Mendonça, bem como construção de meios-fios, sargetas e galerias; daí para frente, outros prefeitos, como Floriano Riva, que andou construindo bueiros e aumentando o calçamento e construção do Mercado Municipal do km 1, pois que o primeiro Mercado fora dado início com o primeiro prefeito – Guapindaia, e concluindo quase três décadas depois pelo Prefeito Boemundo Álvares Afonso.


Seguiram o serviço de calçamento com pedras de granito preto, o senhor Tómas Chaquiam, José Saleh Morheb, qua também se importou com bueiros e pontes.

A novidade do asfaltamento veio depois dos anos 61, quando fizeram a primeira tentativa; daí aos poucos, foram aprimorando o serviço e o prefeito Hercules Lima de Carvalho asfaltou a Pinheiro Machado, até o planejamento feito pelo prefeito Walter Paula de Sales que ainda realizou algum trabalho de pavimentação, também prosseguiram com a iniciativa a gestões de Odacir Soares e Jacoh Atallah, que receberam auxílio do governador Jorge Teixeira de Oliveira. A partir daí iniciaram as obras mais importantes até então realizadas em termos de galerias subterrâneas, quando construíram na principal região onde se encontravam as águas, após chuvas, nos bairros Olaria, São Cristóvão e Liberdade, dando, pois, a partir do Prefeito Hercules Lima, quando abriram valados e colocaram bueiros no restante da Pinheiro Machado. Antes, apenas os trabalhos realizados por Saler Morheb que se preocupava na infraestrutura pluvial e drenagem; trabalho realizados por outros prefeitos na Av. Sete de Setembro – e lá ressalta-se o trabalho feito pelo prefeito Odacir Soares na região do igarapé Favela, construindo galeria no local onde fora conhecido pelo apelido de Espinhaço do Ribeiro pois lá,  o português José Ribeiro, havia colocado 10 mil metros cúbicos de aterro sobre um bueiro, permitindo o tráfego  da região leste-oeste, entretanto não resistia ao tráfego  que aumentava sobremodo na Av. Sete de Setembro. No mesmo ano o prefeito Odacir Soares mandou desarborizar a cidade, arrancando “benjamins fícus” infestados por pragas plantados pelo segundo prefeito de Porto Velho Dr. Tanajura, e ingazeiras plantadas pelos prefeitos da década de 40.

Desde Sebastião Valadares até nossos dias, os prefeitos limitaram-se a dar continuidade ao plano estabelecido a partir de estudos de técnicos da SERPHAU, que resultaram no Plano de Ação Imediata e nos projetos denominados Cura e Bacuri, e mais algumas ruas asfaltadas -  fora daqueles projetos, realizados pelo prefeito Tómas Correia que também – a exemplo dos trabalhos da Av. Pinheiro Machado, colocou bueiros ao longo da avenida Nações Unidas em conexão com a Sete de Setembro, com recursos estaduais apoiado pelo Jerônimo Santana, então governador do Estado.  

Aleks Palitot

Professor Mestre e Historiador

 

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

INDÍGENAS DE RONDÔNIA, CULTURA E RESISTÊNCIA

 

OS MURA: TÃO PERIGOSOS QUANTO AS CACHOEIRAS

Durante todo o século 18 e parte do 19, os Mura reagiram ferozmente à colonização na região do Madeira. Vivendo de forma nômade em suas embarcações, eles dominavam o vasto território compreendido pelos rios Madeira, Solimões, Negro e Japurá, e ofereceram grande resistência à implantação de missões religiosas. A reação foi tão forte que, em 1738, a Companhia de Jesus promoveu uma devassa contra os Mura, por meio de um processo-crime iniciado pelo Padre Joseph de Souza para denunciar assassinatos cometidos contra indígenas remeiros que faziam a colheita do cacau – verdadeiro interesse dos jesuítas, segundo Marta Rosa Amoroso, autora do texto Corsários no Caminho Fluvial, os Mura do rio Madeira, parte do livro História dos Índios no Brasil (Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura e FAPESP) e disponível no link (http://www.etnolinguistica.org/hist:p297-310).

A intenção, de acordo com a autora, era obter da Coroa a legalização da guerra contra os Mura, e assim liberar a região do Madeira para o cultivo do cacau, produto de enorme valor comercial. A corte não deferiu o pedido – até porque, na época, não tinha interesse em facilitar o trânsito pelo Madeira até as minas de Mato Grosso e Goiás. E a simples presença dos Mura, mais do que a existência da sequência de cachoeiras, era suficiente para afugentar os mais ousados aventureiros. Porém, como ressalta Marta Rosa Amoroso em seu texto, “a reação belicosa dos Mura contra os agentes missionários … evidenciou os Mura como nação inimiga dos portugueses”.


Com a liberação da navegação comercial pelo Madeira, em 1753, os Mura passaram a saquear as embarcações, mas frente ao forte aparato bélico montado contra eles viram-se acuados e reduziram sua presença ao longo do rio. Dessa forma, entraram em contato com as vilas agrícolas (implantadas pelo Marquês de Pombal), com as quais ocorreram novos confrontos e consequentemente a escravização – apesar da proibição desta pela política indigenista pombalina.

Os Mura, ao lado dos Mundurukú e dos Karajá, de fato consistiram em casos de “exceção de liberdade” da lei estabelecida pelo Marques de Pombal, expediente que resultou, ao fim de alguns anos, em uma espécie de rendição e o assentamento em aldeias, em um episódio conhecido na história como “redução voluntária dos Mura”. No século seguinte, durante a Cabanagem (revolta popular e social contra o governo do Grão-Pará entre 1833 e 1839), “… os Mura participaram do levante contra as forças legalistas e sofreram reação militar violenta. Da história desse episódio, porém, pouco se sabe, pois na literatura paraense sobre a revolta, o índio é na maioria das vezes tratado de forma genérica”, segundo escreve Marta Rosa Amoroso.

Hoje, os Mura, com população estimada em 18 mil pessoas, lutam pela demarcação de suas terras e pelo resgate de sua identidade. Um retrato relativamente recente da situação desse povo foi feito em 2010 em uma reportagem do jornal português O Público (https://www.publico.pt/2010/07/11/jornal/murasos-indios-condenados–a-extincao-pelos-portugueses-19750708).

 

OS PARINTINTIN: ÚLTIMOS A SEREM PACIFICADOS

Também conhecido como Kawahiwa, esse grupo resistiu a todas as tentativas de catequese pelas missões religiosas e foi expulso do Tapajós por portugueses e indígenas da tribo Mundurukú em meados do século 19. Foi quando se estabeleceu no Madeira e entrou em conflito com os exploradores da borracha, situação que permaneceu até o século 20. Conforme escreve Darcy Ribeiro, “ali os seringueiros tinham quase sempre que trabalhar dois a dois: um sangrava a árvore, enquanto o outro o cobria com seu rifle, pronto para atirar sobre qualquer sombra que se movesse”.


Diante dessa situação e de algumas tentativas frustradas de pacificar a tribo, o Serviço de Proteção aos Índios (precursor da Funai, fundado em 1910) delegou a tarefa a Curt Nimuendajú, etnólogo alemão que conviveu com índios brasileiros por 40 anos. Em 1922, após chegar com o material necessário para se estabelecer permanentemente, já sofrer um primeiro ataque e construir um posto de trabalho, Curt dispensou a maior parte de seu pessoal, ficando com apenas mais seis homens.


Seguiram-se mais dois ataques, mas as flechas se partiam nas chapas de zinco que constituíam a casa. No terceiro, quando decidiram avançar para dentro da construção, Curt gritou na língua geral (evolução do tupi antigo), convidando-os a entrar. “Pela sua experiência guerreira eles deviam ter esperado nesse momento tudo menos um convite e, perplexos, pareciam prestar-me atenção por um momento. Mas logo redobraram a sua gritaria selvagem e, brandindo as armas, desapareceram pelo trilho de onde haviam saído”, relata Curt no texto Os Índios Parintintin do Rio Madeira, disponível no (http://www.etnolinguistica.org/biblio:nimuendaju-1924-parintintin).



Dois meses após a chegada, em um novo ataque, Curt, enfim, conseguiu estabelecer uma comunicação com eles, que se foram em paz e carregados de brindes. Toda essa interação, bem como as particularidades do processo de pacificação, com seus progressos e retrocessos, está descrita em detalhes no texto citado acima, publicado em 1924. Após quase um ano de trabalho, acabaram-se os recursos do SPI e Curt foi chamado de volta. Atualmente, a população estimada dos Parintintin é de 480 pessoas, que habitam terras demarcadas perto de Humaitá (AM).

 

OS KARITIANA: A TRIBO ISOLADA

Esse povo aparece na literatura apenas em 1909, mencionado por um membro da Comissão Rondon (encarregada, nessa época, de construir a linha telegráfica de Cuiabá a Santo Antônio). Até esse momento, a tribo havia conseguido se manter isolada, mas o encontro com os exploradores de borracha resultou em escravização e mortes, o que causou um brutal declínio da população – a ponto de Darcy Ribeiro tê-los considerado extintos, em 1957.



Esses embates causaram um deslocamento dos Karitiana, que passaram a viver nos arredores de Porto Velho, a partir de meados dos anos 50. Desde 1986, as terras desse povo estão demarcadas entre os rios Jacy-Parana e Candeias. A proximidade da aldeia com as cidades acelerou o processo intercultural. “O que se vê atualmente nos costumes daquele povo é uma mistura de tradições. O casamento, por exemplo, é celebrado com traços da cultura indígena e da cultura dos não-índios”, informa o texto O Povo Indígena Karitiana: Histórias de Lutas para Sobreviver ao Colonizador, de Gracilene Nunes da Silva e Miguel Nenevé (disponível no link (http://www.periodicos.unir.br/index.php/igarape/article/view/624/668).

Os Karitiana são os únicos remanescentes da família linguística Arikém, do tronco Tupi. Preservar o ensino dessa língua e rever os limites das terras demarcadas são as reivindicações atuais dessa população, que conta 333 pessoas.

 

Os Karipunas

 

Os povos da Floresta.

Os Sítios Arqueológicos em Porto Velho.

A partir de 2008, arqueólogos do Brasil inteiro se engajaram nos trabalhos que antecederam a construção de duas usinas hidrelétricas no rio Madeira. De certa forma, eles deram continuidade à pesquisa do pioneiro Eurico Miller, que nos anos 70 fez os primeiros estudos dessa natureza em Rondônia a pedido da concessionária da futura usina no rio Jamari, afluente do Madeira. Referência entre seus colegas, o gaúcho foi quem iniciou a montagem do quebra-cabeça, ao descobrir sítios de pelo menos 10 mil anos e formular hipóteses até hoje investigadas, como a região ter sido ponto de partida da dispersão do tupi-guarani para todo o país. Pesquisas mais recentes sugerem que também houve esferas de interação e redes de comércio envolvendo povos de língua arawak, originários do Caribe.



Dos 58 sítios escavados pela equipe contratada pela Santo Antônio Energia num trecho de 80 km ao longo do Madeira (entre a cachoeira de Santo Antônio e a foz do rio Jacy-Paraná), saíram amostras de até 7 mil anos atrás, capazes de traçar uma linha do tempo contínua até o século 20 – pois muitos artefatos resgatados remetem à época da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, importante evento da história recente da região. Os arqueólogos contabilizaram 294 mil fragmentos cerâmicos, 80 mil líticos (de pedra) e 71 mil históricos.

De acordo com  os relatórios do arqueólogo Renato Kipnis, que coordenou o programa, o trabalho realizado durante quatro anos demoraria quase um século para alcançar os mesmos resultados se estivesse restrito ao âmbito acadêmico. Comunidades próximas às escavações e até os operários da construção da usina se beneficiaram de ações educativas, enquanto a limpeza e a análise inicial de todas essas peças envolveram não só profissionais do ramo como também alunos, num trabalho com grande potencial de formação e capacitação – inclusive, o curso de graduação em Arqueologia da UNIR nasceu na esteira dessas prospecções e está colocando no mercado toda uma geração local de profissionais que darão continuidade a esses estudos.



Por meio da estratigrafia (análise da sequência de camadas de sedimentos e de seu conteúdo), foi possível entender que por aqueles lugares passaram povos caçadores-coletores – nômades – e depois comunidades mais assentadas (os agricultores incipientes), que provavelmente também se deslocavam de tempos em tempos, numa espécie de rodízio espontâneo. Tal conclusão é viável graças à comparação entre o material de vários sítios próximos, como foi o caso aqui. Trata-se, portanto, de uma região com ocupações contínuas, consistentes, de longa duração e com evidências de domesticação de plantas e de manejo da paisagem. Um dos desafios, agora, é buscar o elo entre as ocupações antigas e as populações indígenas que existem até hoje. Prudentes e cautelosos, os arqueólogos evitam elucubrações sem base científica. Preferem se concentrar no puzzle, que vai ficando maior e mais desafiador à medida que novas peças são encontradas e detalhadamente analisadas.

 

A TERRA PRETA

Muito frequente na Amazônia, esse tipo de solo resulta obrigatoriamente da presença humana, que ali teria exercido uma ação transformadora, ao ocupar os mesmos locais durante largos intervalos de tempo. Trata-se de um solo fértil, procurado até hoje por famílias para agricultura de subsistência. Os mais antigos sítios de terra preta já registrados situam-se ao longo do rio Madeira, onde os arqueólogos já chegaram a uma datação de 6,5 mil anos e não localizaram fragmentos cerâmicos. Isso quer dizer que não necessariamente a prática do cultivo está associada ao uso cotidiano da cerâmica, como já se pensou. O conhecimento sobre a utilidade de cada tipo de planta e seu manejo, portanto, antecede o desenvolvimento da tecnologia cerâmica, uma importante contribuição para cronologia dos tipos de ocupação que houve ali.

 

 

AS PEÇAS ENCONTRADAS RECENTEMENTE

O imenso volume de material coletado e identificado em quatro anos de trabalho ficará sob os cuidados de um museu ligado à Universidade Federal de Rondônia, mas já se encontra disponível para pesquisadores de todo o mundo – que, como é praxe na arqueologia, devem se basear nos estudos já realizados para prosseguir a investigação. Embora a maioria dos artefatos sejam apenas fragmentos, a partir dos quais se projeta a aparência da peça, houve aquelas que foram resgatadas praticamente inteiras, como as urnas funerárias. A análise dessas cerâmicas leva a crer que, antes de cumprir a função ritualística, as vasilhas serviram como panelas ou recipientes para guardar comida ou bebida, o que evidencia sua multifuncionalidade. E nem sempre elas contêm ossos, o que levanta duas hipóteses: ou eles se deterioraram por causa do solo ácido ou o ritual de enterramento começava com a cremação.

 


Os arqueólogos ainda não sabem a autoria dos entalhes nas rochas, encontrados nas corredeiras do madeira.

Muitas das peças pertencem à tradição polícroma, que se caracteriza por pinturas em vermelho, preto e branco em objetos com muita modelagem e um vasto repertório decorativo, plástico e estético. Segundo as pesquisas do arqueólogo Eduardo Góes Neves, que estuda a Amazônia há cerca de 30 anos, o relato de Gaspar de Carvajal já menciona essas cerâmicas e chega a descrevê-las como mais bonitas que as de Málaga ou as gregas. Hoje, essa tradição ainda persiste na produção realizada na Ilha do Marajó. Outra formação impressionante, porém impossível de remover e de datar, são os petróglifos: grandes entalhes em pedrais situados no meio do rio com padrões geométricos, abstratos, recorrentes também em outras partes do mundo. A solução encontrada pela equipe para não perder esses tesouros, identificados em 16 pontos, foi fazer gigantes decalques em tecido e, adicionalmente, uma espécie de escaneamento tridimensional que permite a reprodução da superfície inteira numa impressora 3D, por exemplo. Esses registros viabilizam o prosseguimento dos estudos, já que os pedrais agora estão submersos e a autoria permanece desconhecida. Os arqueólogos ainda não precisaram a autoria desses entalhes nas rochas encontrados em meio às corredeiras do Madeira. O registro em tecido e digital torna possível prosseguir com a investigação.


ALEKS PALITOT

Professor e Historiador

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

OS PRIMEIROS HABITANTES DO NORTE

 Os primeiros habitantes

As incursões exploratórias pela Amazônia, a partir do século 16 não ocorreram sem conflitos. “As expedições de Orellana e Aguirre foram atacadas por flotilhas de centenas de canoas e seus desembarques sofreram oposição de hordas de guerreiros”, escreve John Hemming no livro Ouro Vermelho: A Conquista dos Índios Brasileiros (Edusp, 2008). “Décadas de anarquia se seguiram à chegada dos portugueses no início do século 17 … Durante quase cada ano do século, de 1620 a 1720, houve expedições de escravização, oficiais e não-oficiais, que subiram o Amazonas e seus tributários acessíveis. Uma média de talvez mil a dois mil índios era encaminhada anualmente para os mercados de escravos de Belém e São Luís do Maranhão, totalizando de cem mil a duzentos mil indivíduos durante o século”. A estimativa citada pelo autor, referente à região amazônica como um todo, impressiona. E ela considera apenas aos primeiros cem anos de contato com os colonizadores, além de não contar os mortos por combates e pela disseminação de doenças.


A expedição de Pedro Teixeira, em 1637, é a primeira a mencionar nativos (os Tupinambá e os Tapajós) em territórios próximos ao Madeira. “Até meados do século 17, tudo indica que a região sofreu um processo de expansão dos Tapajós e Tupinambá, tendo como consequência o contato, a vassalagem, escravidão e movimentação dos grupos localizados na área em questão. Porém também registra-se uma rápida retração desses dois grupos como resultado do intenso contato com o branco”, explica Miguel A. Menéndez no capítulo A Área Madeira-Tapajós – Situação de Contato e Relações entre Colonizador e Indígenas, integrante do volume História dos Índios no Brasil (Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura e FAPESP) e acessível pelo site (http://www.etnolinguistica.org/hist:p281-296). Segundo o autor, “o espaço deixado por esses grupos passa a ser rapidamente ocupado e registra-se o aparecimento de novos grupos, a que se refere a maior parte das informações do século seguinte”.


Os próximos dados disponíveis já provêm de missionários religiosos, encarregados pela Coroa de ocupar o vale como consequência da viagem de Raposo Tavares, que partiu de São Paulo, em 1647, e chegou a Belém, em 1651, depois de percorrer o Madeira em toda a sua extensão, revelando sua importância estratégica. Reunidas pelo Padre João Felipe Bettendorf, as informações se baseiam em relatos de jesuítas presentes na região desde 1683 e relacionam a presença dos Iruri, Paraparixana, Aripuanã, Onicor e Toreri.



São muitos os povos encontrados pelos missionários e expedicionários portugueses na região do Madeira nas proximidades do que no futuro será o município de Porto Velho, ao longo do século 18. No entanto, precisar onde viveu cada um deles continua sendo objeto de estudo, pois essas comunidades se deslocavam muito e os nomes que aparecem nos registros podem variar de acordo com o entendimento do escriba. O processo de catequese não ajudou a esclarecer a questão, pois olhava os indígenas de forma genérica, sem se preocupar com a identidade de cada povo. Tampouco a política implantada pelo Marquês de Pombal, a partir de 1757, se importava com isso: embora tenha abolido a escravidão indígena, visou transformar os nativos em colonos para consolidar a ocupação da Amazônia, algo que não condizia com a cultura nem com o modo de vida desses povos – que ficaram proibidos de falar suas línguas. Uma boa tentativa de localizar esses povos no espaço e no tempo está no trabalho Um Quadro Histórico das Populações Indígenas no Alto Rio Madeira Durante do Século XVIII, de Cliverson Gilvan Pessoa da Silva e Angislaine Freitas Costa, acessível no site (http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/amazonica/article/view/1751).

 


Com base em diferentes relatos sobre as populações indígenas ao longo do século 18, que permitiram observar suas loca­lizações e dinâmicas migratórias ou ex­pansionistas, a dupla elaborou um mapa com todos os grupos citados pelas fontes setecentistas, com suas respectivas localiza­ções e ano de registro.


Alguns desses povos, por sua hostilidade e combatividade, tornaram-se mais conhecidos e são mais citados na literatura sobre o tema. “Diversas tribos ali enfrentaram os brancos, opondo-lhes a mais tenaz resistência. Quando a vitória e a subjugação de uma delas parecia indicar que a região fora, afinal, conquistada, surgia outra, descendo dos altos cursos daqueles rios para ocupar o lugar da vencida e repetir os trucidamentos recíprocos”, escreve Darcy Ribeiro no livro Os Índios e a Civilização: A Integração das Populações Indígenas no Brasil Moderno (Civilização Brasileira, 1970). O autor relaciona quatro dessas tribos: Torá, Mura, Mundurukú (que foram aliciados pelos colonizadores para combater outras tribos) e Parintintin – as três primeiras mais ativas no século 18 e a última em meados do século 19.

ALEKS PALITOT

Historiador