ANTECEDENTES
DO CICLO DA BORRACHA
A partir da segunda metade do século XIX,
dar-se-á a expansão da exploração do látex da Herbea brasiliensis, em virtude da crescente demanda externa,
fazendo com que, no Amazonas, se processasse um surto de crescimento econômico.
A esse movimento de crescimento econômico designou-se ciclo da borracha e teve
implicações demográficas, políticas e culturais.
Muito antes de os europeus conhecerem a
borracha, os povos pré-colombianos do continente americano utilizavam-na de
distintas formas para atender inúmeras finalidades. Entre os povos indígenas,
no que hoje corresponde aos territórios do México e do Haiti, extraía-se o
látex para fazer bolas, sapatos, capas e diversos tipos de vasilhames. Além
disso, a borracha também era utilizada no tratamento de doenças – como a
hemorroida -, para proteger do frio, servindo de aquecedor, e para confeccionar
tochas e flechas incendiárias.
Na Amazônia, seu uso foi registrado entre
índios cambebas ou omáguas que habitavam no vale do Solimões-Marañon e
empregavam-na para realizar várias atividades. Quando os colonizadores europeus
deparam-se com o produto, impressionaram-se com sua capacidade elástica e sua
impermeabilidade.
A EXPANSÃO DA ECONOMIA GOMÍFERA
Antes do surto da economia gomífera, a
Amazônia, incluindo o Amazonas, já havia passado por duas grandes fases
econômicas. A primeira, desde o início da colonização, em 1616, até o início da
segunda metade do século XVIII, em 1750, caracterizou-se pelo extrativismo
baseado na coleta de “drogas do sertão” (salsa, cacau, pimenta, castanha, cravo
e canela), intensificada pela Coroa portuguesa frente às desvantagens de
obtenção das especiarias do Oriente. Durante esse período, o sistema de
capitães de aldeia e o regimento das missões administraram, respectivamente, o
controle da mão-de-obra indígena.
A segunda fase, a partir de 1750 até aproximadamente
1830, foi marcada, sobretudo, pela preocupação e incentivo à agricultura. Nesse sentido, é que alguns historiadores a
chamam de fase do ciclo agrícola, pois ao mesmo tempo em que realizava a coleta
de “drogas do sertão”, o colono deveria plantar espécies nativas. Ainda assim,
mesmo com prosperidade agrícola nesse período, a produção extrativa excedia o
volume da produção cultivada. Nessa fase, predominou o controle direto da Coroa
portuguesa sobre a região por meio do Diretório dos índios, durante a época
Pombalina, e, posteriormente, do Corpo de Trabalhadores.
Entre 1880 e 1913, período áureo, a região
toma outras feições que culminaram na perda de sua face predominantemente
indígena. Leva de nordestinos e estrangeiros de diversas procedências são
atraídos à Amazônia pela falsa expectativa de enriquecimento rápido, no
trabalho de extração da borracha, gerada a partir da difusão de boatos, além da
vinda de investidores externos que se fixaram nas duas principais cidades da
região: Belém, Manaus e nas proximidades de Porto Velho.
OS PRIMEIROS
SERINGAIS
No início, a exploração do látex deu-se nas
proximidades de Belém e na região das ilhas, dentre as quais, Marajó,
estendendo-se até os rios Xingu e Jari, no Pará. A população tapuia e cabocla
passou a se dedicar inteiramente ao trabalho de produção da borracha,
abandonando a agricultura como atividade econômica voltada para o mercado e,
mais adiante, prescindindo desta até mesmo para a manutenção da própria
subsistência.
A técnica de extração do látex da seringa,
chamada arrocho, era extremamente prejudicial à árvore, causando-lhe a morte
rapidamente. O arrocho consistia em ferir a seringueira de alto para baixo e,
em seguida, amarrá-la fortemente com cipós, visando extrair todo o látex de uma
só vez.
Antes de ser proibido, todavia, tal método
provocou o desaparecimento da Hevea
brasilienses nas áreas inicialmente usadas para extração, forçando a
penetração do seringueiro floresta adentro.
Dessa forma, avançou-se para o interior da
floresta, ocupando-se áreas dos rios Tapajós, Madeira, Mamoré, Guaporé, Purus e
Juruá e, posteriormente, chegando até o atual Estado do Acre. Essas áreas
começaram a receber um fluxo de imigrantes cada vez maior, o que, associado ao
aprimoramento do método de extração, permitiu que se obtivessem melhores
resultados, elevando, com isso, a quantidade coletada do látex.
AS IMIGRAÇÕES
PARA A AMAZÔNIA
A crescente demanda de borracha pela Europa e
Estados Unidos, face ao seu aproveitamento industrial, além de ocupar a
população com a extração do látex, fez com que se intensificasse a imigração
para a região, acarretando-lhe um incremento demográfico responsável pela
alteração de padrões de vida da cultura local, bem como pela quebra do seu
isolamento perante o mundo.
A extração do látex precisava suprir o
mercado. Era preciso mais mão-de-obra para trabalhar nos seringais. Em vista
disso, o governo brasileiro e empreendedores particulares estimularam a migração para a Amazônia de três formas:
Imigração
dirigida, onde visava promover a
vinda de imigrantes, tanto brasileiros quanto estrangeiros, para a colonização
agrícola inicialmente. Em virtude do fracasso, parte dos imigrantes foi
direcionada para o seringal.
Imigração
Induzida, baseada em promessas
nunca cumpridas, aliciavam-se trabalhadores do Nordeste para virem ocupar-se
com a extração do látex.
Imigração
espontânea, onde os próprios
trabalhadores encaminhavam-se para o seringal, bem como para outras funções em
setores do serviço e comércio na região. Foi a mais eficaz para resolver o
problema do povoamento e obtenção de mão-de-obra na região.
Todavia, enquanto aumentava a população
“civilizada”, os povos indígenas perdiam membros graças às epidemias e vícios
trazidos pelos imigrantes, bem como tinham suas terras cada vez mais subtraídas.
A MÃO-DE-OBRA INDÍGENA
A iniciativa dirigida aos índios pelo governo
era tão violenta quanto igualmente exploradora. A política voltava-se para a
integração dos índios à sociedade nacional mediante o aliciamento de muitos
membros dos mais variados grupos e tribos para o trabalho de produção da
borracha, dentre outras ocupações.
Associadas a isso, a crescente redução das
terras indígenas e a dispersão de distintos grupos em meio aos imigrantes,
levaram-nos gradativamente, em grande parte, à extinção física e cultural.
AS IMIGRAÇÕES
NORDESTINAS
Impelidos pela violenta seca, que se abateu
nos diversos estados do Nordeste, eliminando quase que inteiramente todo o
rebanho da região, de 1877 a 1880, os nordestinos viram-se forçados a emigrar
para a Amazônia. Calcula-se que cerca de 300 mil imigrantes teriam provindo do
nordeste entre 1870 e 1920, em diferentes momentos. A princípio ter-se-iam
dirigido para a região, os emigrantes vindos, sobretudo, do Ceará, Maranhão,
Rio Grande do Norte e, em seguida, de outros estados.
Contrastando-se com suas esperança avalia-se
que grande parte da população imigrada para a Amazônia foi vitimada por
epidemias, diversas doenças adquiridas a partir de avitaminose, além das
condições rústicas dos isolados seringais, fazendo desfalecer muitos desses
brasileiros imigrantes na Amazônia.
A IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA
Muitos estrangeiros de diversas procedências
emigraram para a Amazônia em busca de riqueza, grande parte iludida pela
campanha propagandista sobre a borracha difundida no exterior.
Os sírios e libaneses começaram a chegar a
partir de 1872, trazendo consigo suas famílias. Inicialmente, dedicaram-se a
atividade como mascate, regatão e varejo fixo. Conforme ascendiam, tendiam a
dominar o sistema de barracão e o comércio urbano em expansão, além do que
também exerciam outras atividades.
A construção da Estrada de Ferro Madeira
Mamoré trouxe milhares de imigrantes à Amazônia. No entanto foram muitos os que
sucumbiram na região, face às adversidades do meio amazônico.
Os índios tiveram seus territórios
diminuídos, seus membros dispersos, seu povo, muitas vezes, violentado e, de um
modo geral, foram comprometidos pela “febre” extrativista da borracha.
Finalmente, a face indígena da Amazônia, que resistiram durante tantos séculos,
estava profundamente alterada.
Outros elementos passaram a predominar,
mesclando as várias raças e tipos humanos que marcaram presença, deixando como
herança os que descenderam dessa miscigenação. Ao lado do tapuio e do caboclo,
a figura do nordestino fazia emergir um novo personagem: o seringueiro.
CICLOS DA
BORRACHA
Seringueiros
e Seringalistas
O termo seringueiro era, inicialmente, o
único usado para designar todos aqueles que se dedicavam à exploração da
Hervea, mas depois, sutilmente, aquele mais abastado que empregava os demais ou
tinha qualquer domínio sobre eles, passou a ser denominado seringalista. Por
ocasião da criação do Território era essa a atividade econômica predominante,
senão a única, eis que todas as demais atividades extrativas eram feitas por
esses profissionais, durante o período de entressafra da borracha, quais sejam:
coleta da castanha-do-pará, óleos(pau-rosa e copaíba), couros e peles etc.
Muito se discute até hoje sobre a relação de
trabalho entre seringueiros e seringalistas, pois o primeiro não era,
verdadeiramente, um empregado do segundo. Podia ser considerado uma espécie de
associado ou tarefeiro. Com efeito, o seringalista, embora pensasse ter a
propriedade dos seringais, na verdade apenas os possuía, pois eram raros os
títulos concedidos pelo Estado. A terra pertencia a quem chegasse primeiro ou
fosse mais ousado. O limite era de respeito, isto é, ia até onde o vizinho
concordasse. Ou, se não concordasse, até onde resistisse pela força à entrada
do outro vizinho. Guardem o nome: limite de respeito.
Uma vez dominada a gleba, pela força, o
seringalista tinha de conseguir abastecimento para os seus homens, durante
vários meses de safra, o que não era fácil, pois importava no congelamento de
capitais durante meses, sem maiores garantias que a honradez do aviado, ou
seringalista. O credor era o comerciante abastado da praça de Manaus ou Belém,
que a si denominava aviadores.
Entre o seringalista e o seringueiro
formava-se um subcontrato do mesmo gênero, comprometendo-se o trabalhador a
cortar seringa em uma das estradas do seringalista, e ao fim da safra,
entregar-lhe a produção, por um determinado preço.
Dito assim, a coisa parece simples, mas na
prática ocorriam espertezas de parte a parte. Nem sempre o seringueiro era a vítima
perseguido pelo poderoso seringalista, pois muitas vezes tentava usar da
esperteza para ludibria-lo, seja fugindo com os aviamentos para outro seringal,
seja vendendo parte da borracha para os comerciantes avulsos que percorriam os
seringais, e tinham regatões.
Também havia o expediente de colocar pedras e
outros objetos pesados dentro das bolas ou pelas de borracha, para aumentar o
peso,e , por conseqüência, o lucro desonesto, fato que, pela constância, chegou
a depreciar a borracha brasileira nos mercados internacionais.
Os seringalistas, por sua vez, tinham meios
de recrutar às espertezas dos seringueiros, seja diminuído o peso da mercadoria
no ato do recebimento, seja através da cobrança de preços exagerados pelas
mercadorias que só ele podia levar para o seringal, seja pelo aumento das
cartas, cobrando artigos nos fornecidos.
Na verdade era uma negociação tortuosa, mas
no fim, geralmente, se estendiam, sendo poucas as reclamações que iam até à
política ou à justiça, para solução, mesmo por que as longas distancias
tornavam quase impossível qualquer interferência do Estado nessas transações
comerciais, onde fraude permanentemente era quase sempre bilateral.
Aleks Palitot
Professor e Historiador
Reconhecido pelo MEC
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