quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Porto Velho no princípio

 Surge a cidade.

 “Nascestes ao calor das oficinas do Parque da Madeira Mamoré, pela forja dos bravos pioneiros, imbuídos de coragem e fé”.

Esse trecho é parte do hino de Porto Velho, letra de C. Feitosa, hino que talvez poucos nascidos em Porto Velho teriam conhecimento. Por isso, lembrar da instalação de administrativa de nossa cidade é tão importante. São nessas datas que levamos os cidadãos de Rondônia a conhecerem um pouco mais de nossa história, e assim refletir sobre a história de nossos pioneiros.

Com a construção do Centro Administrativo da empresa construtora da ferrovia no antigo Porto Velho Militar, logo nas imediações os trabalhadores iniciaram a construção de suas casas para o lado que dava para Santo Antônio. Em 1913 criava-se a Vila de Porto Velho, e já no dia 2 de outubro de 1914 era publicada a lei número 757, criando o município de Porto Velho. Com o decreto assinado pelo Dr. Jonathas Pedrosa, governador do Estado do Amazonas, no dia 24 de janeiro de 1915, instala-se solenemente, e era considerado município autônomo, sendo o seu superintendente (prefeito) o Major do Exército Fernando Guapindáia de Souza Brejense, e intendentes, e suplentes, José Jorge e Braga Vieira, Luziano Barreto, Manoel Félix de Campos, Antônio Sampaio, José Camargo Achiles Reis, Alderico Castilho, José Pontes e como secretário, Sr. Manoel Pires de Castro.


A cidade na opinião de Oswaldo Cruz era “um cenário desordenado” de 800 habitantes. Todos os barracos eram de madeira, inclusive os grandes barracões da companhia construtora que ficavam sobre pilares de alvenaria e cobertura de telhas francesas; outros eram cobertos com zinco e sobre esteios de quariquara ou itaúba, preferencialmente, sendo a grande maioria improvisadas cabanas de palha. Enquanto isso no Clube Internacional (hoje Ferroviário) mulheres e homens dançavam o fox ao son de jazz; rubicundos ingleses vestidos de branco, a beber uísque; alemães ingênuos e sorridentes, servindo chopp com avidez; francesas de Marselha, com admirável heroísmo profissional, sorrindo acintosas e convidativas aos peões.

 


O NOME DA CIDADE

Refletindo sobre a história de Porto Velho, iniciamos pelo nome de nossa cidade com trajetória histórica ímpar, mas, que trás logo na origem do nome da mesma, uma controvérsia. Falo na história lendária, para não dizer mitológica, do “velho Pimentel”, o tão falado e lembrado velho do porto. Esta afirmação não têm qualquer sustentação histórica, inclusive, alguns “historiadores” ainda comentem o absurdo de afirmar que a figura do “Velho Pimentel” existiu, quando não temos nenhum documento primário ou secundário, nenhum descendente do mesmo na nossa cidade. Fato também, é imaginar que um senhor de presumíveis 70 anos, em plena floresta Amazônica, teria condições físicas e com apenas um machado, derrubar árvores, e produzir lenha para os navios a vapores do Madeira.

      Devemos ressaltar, as cartas de Antônio Rolim de Moura, que quando governador da Capitânia do Mato Grosso, descreve de forma documental, que um escravo no Guaporé, teria média de vida de no máximo 10 anos, em virtude das condições de vida na Amazônia. Mas é verdade, que a lenda do “velho do porto” pegou, e penso que devemos conviver com as duas versões.

       A versão oficial e devidamente documentada relata, que quando se iniciou a Guerra do Paraguai em 1864, o Presidente daquele país Solano López teria invadido o Mato Grosso. Numa tentativa de se precaver a novas invasões, e manter contato fluvial com aquela região, o nosso Imperador D. Pedro II, mandou construir um ponto militar próximo onde hoje é o pátio da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, e naturalmente, que lá existia um porto improvisado, considerando que naquele momento histórico só se chegava na região via fluvial. Quando a guerra se encerrou em 1870, o porto aos poucos foi abandonado e não teria a devida manutenção.

      Em 1872 se iniciou a construção de um novo porto em Santo Antônio, para dar suporte a empresa Public Works, que iniciava a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Com o porto novo concluído, era comum a referência ao antigo porto da Guerra do Paraguai, como Porto Velho Militar ou Ponto Velho Militar, e assim teria se efetivado o nome Porto Velho.

 O PRIMEIRO PREFEITO

O governo de Guapindaia foi marcado por uma série de desentendimentos com os administradores da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, pois a ferrovia gozava de isenção de impostos estaduais e municipais, além de ser detentora de grandes porções de terras destinadas ao uso da ferrovia.

Como anteriormente a palavra do superintendente da Estrada de Ferro era lei, sendo que até a distribuição de lotes para a construção era, no entender dos administradores da ferrovia, da sua alçada, o major Guapindaia sentiu-se ferido em seus brios naturalmente reagindo e tendo como resposta inicial o cancelamento “ do passe grátis” que lhe fornecia a Madeira Mamoré, além de ser convidado a se retirar do prédio em que se instalara a prefeitura (em frente ao Mercado Central), bem como da casa onde morava e que pertencia à estrada de ferro.

Guapindaia continuou sua investida contra os ferroviários, proibindo a retirada de dormentes e lenha dos locais que ele julgava estar de fora dos limites concedidos à ferrovia. Tal medida gerou revolta, não somente nos chefes ferroviários, mas também dos que viviam de empreiteiras na extração de madeira, tendo os advogados da companhia entrado com recursos e, ao mesmo tempo, pressionando o superintendente para uma prestação de constas.

 


NOSSO MERCADO MUNICIPAL (Cultural)

Guapindaia Brejense não era homem dado a assuntos diplomáticos, e tão logo saía-se de um aperto, entrava em outro.

A Madeira-Mamoré não permitia interferências na região que considerava sua, mesmo que fossem autoridades em busca de contraventores da lei. Guapindaia baixou decretos regulando o código de postura, inclusive proibindo a cobrança de imposto de desembarque, efetuado pela ferrovia. Tudo isso, juntando-se aos casos anteriores, foi motivo de ásperas trocas de insultos por parte do superintendente municipal e ferroviários. Na época, um italiano teria construído um barracão, todo de zinco, para diversões; o barracão foi interditado pela prefeitura; houve interferência de patrícios, em Manaus, e a questão por haver um acordo, segundo o qual a companhia ficava dona do barracão que, logo após, alugou a um mercadeiro. O então Major não gostou da idéia e mandou demolir duas casas que ficavam nas proximidades para, no local, construir o mercado municipal, onde hoje se ergue o já antigo edifício Rio Madeira; em seguida, mandou fechar o mercado da companhia. Tal medida, naturalmente, chegou a irritar ainda mais os ferroviários.



O ALAMBRADO

A intendência aprovou lei autorizando o superintendente a dar nomes as ruas, sendo chamada de Avenida Divisória a que separava as terras da companhia das terras do município, que é a atual Av. Presidente Dutra, e nela os ferroviários construíram um alambrado separando as terras da Madeira-Mamoré. As outras ruas foram denominadas Sete de Setembro, Rio Branco, Floriano Peixoto e Pedro II, embora algumas fossem apenas caminhos tortuosos. Em 1919, Guapindaia tentou eleger-se prefeito de Porto Velho, porém, não era pessoa grata da Madeira-Mamoré e, embora fosse apoiado pelo Dr. Joaquim Tanajura, foi derrotado pelo Padre Dr. Raimundo Oliveira. O Governo de Guapindaia o primeiro de Porto Velho, foi de 24 de janeiro de 1915 a 31 de dezembro de 1916, quando foi empossado o Dr. Joaquim Tanajura, eleito para o triênio de 1917 a 1919.

PONTE SOBRE A FAVELA.

Ainda no governo municipal de Guapindaia, teria surgido algumas residências, que posteriormente, seria chamado de Mocambo. Os moradores daquele local, na época, encontravam muitas dificuldades para chegar à cidade, pois que tinham de ficar descalços para atravessar o riacho Favela, além de ter de escalar o valado escorregadio.

Guapindaia também construiu alguns pontilhões, mas as enxurradas, muito frequentes na região, arrancavam-nos tendo destruído a todos.

Em 1933, o Sr. Francisco Guedes Lira Fonseca substituiu, na prefeitura, seu titular, Sr. José Ferreira Sobrinho e deu início a ponte que haveria de ser inaugurada em 1937, quando Lira cumpria mandato novamente.

A ponte com 42 metros de comprimento por 4 metros de largura e 5 metros de altura, foi obra de grande significado para os moradores da margem esquerda do Favela. Por isso mesmo, foi inaugurada com a presença de grande número de autoridades, inclusive estaduais, e a população em geral.

Depois de 1948, o prefeito Rui Brasil Cantanhede, reconhecendo o significado da ponte para o desenvolvimento da cidade, mandou construir no local da anterior ( que foi destruída em 1944), em ferro e cimento, duas vias, conforme foram denominadas, sendo que a primeira, sobre a Favela, recebeu o nome de Major Guapindáia (hoje Rogério Weber) , ligando o Centro da cidade  ao Mocambo e, mais à frente, ao sul, a segunda via – “ 29 de outubro” , sobre o igarapé das Lavadeiras ligado, pela Prudente de Moraes, Centro com o bairro Areal.


Aleks Palitot

Historiador e Professor Mestre

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Rio Madeira, o Caiari ou Iruri. O Temor dos navegantes.

 


O desafio de subir o Madeira

Na esteira da conquista do oeste iniciada no século anterior pelos bandeirantes, partiu de Belém do Pará, em 1723, a expedição de Francisco de Melo Palheta, com o objetivo de subir o Madeira para reconhecer suas nascentes. A travessia foi relatada por um dos membros da tripulação, narrativa anônima que se tornou o primeiro registro escrito sobre o Madeira e embasou o mais antigo mapa detalhado desse trecho, desenhado por José Gonçalves da Fonseca, então secretário do Governo do Estado do Maranhão e do Grão-Pará (equivalente aos atuais estados de Maranhão, Piauí, Pará, Amazonas, Roraima e Amapá).



Em 1749, mais uma expedição saiu de Belém: a de Luís Fagundes Machado, dessa vez com a missão de realizar o reconhecimento oficial da rota até as minas de Mato Grosso – já amplamente percorrida em sentido contrário por exploradores como Manuel Félix de Lima, à revelia da Coroa, que temia o contrabando de ouro. Coube a José Gonçalves da Fonseca documentar esta segunda subida do rio Madeira, encarregada também de averiguar a situação da missão de Moxos. Pertencente à Província do Peru, Moxos aparentemente estava se tornando um polo comercial importante na região, atraindo novos moradores de outras partes da província, o que agravava a disputa pela rota fluvial no Madeira.




A respeito das instruções passadas a José Gonçalves da Fonseca, escreveu o historiador André Ferrand de Almeida no texto A Viagem de José Gonçalves da Fonseca e a Cartografia do Rio Madeira (1749‑1752): “… esperava‑se que tivesse um cuidado redobrado nas observações que fosse realizando, anotando os rumos da corrente do Madeira, o número de cachoeiras, as dificuldades em atravessá-las e as distâncias entre elas. A preocupação com o cálculo das latitudes era uma constante: todos os dias deviam tomar a altura do sol, principalmente na boca dos rios. Para além de novos mapas do Amazonas …” deveria Fonseca desenhar um mapa do rio Madeira que mostrasse por onde se devia navegar e que permitisse visualizar as informações que fosse anotando sobre o rio e seus afluentes, e sobre as missões de Moxos. Uma vez chegado ao Mato Grosso, também lhe era pedido que fizesse um mapa onde registrasse todos os dados relativos à rede hidrográfica, ao relevo e às povoações portuguesas e espanholas, nomeadamente sobre Cuiabá e o caminho que ligava esta vila ao Mato Grosso”.




O relato de Fonseca é longo e especialmente detalhado na descrição das passagens pelas cachoeiras. “Fonseca ficou empolgado com a visão majestosa das águas revoltas através das pedras, e com a aventura que significava a travessia desses acidentes. Por isso, recorreu até a recursos literários para transmitir sua emoção diante de tão grandioso espetáculo”, escreveu Manoel Rodrigues Ferreira no livro A Ferrovia do Diabo (Melhoramentos). A principal consequência de seu relato foi a decisão régia de autorizar a abertura da rota do Madeira à navegação e ao comércio, em 1752 – medida de importância comercial e estratégica inegável.




Até o final do século 18, seriam realizadas mais duas subidas oficiais do Madeira: a do engenheiro Francisco José de Lacerda e Almeida (1781), chefe da Comissão Demarcadora dos Limites da América Portuguesa, e a do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1788), com objetivos puramente científicos.




Como já vimos, no século anterior (1650), Antônio Raposo Tavares atingira o Vale do Madeira, três anos depois que saíra de São Paulo de retorno de sua penetração pelos altiplanos bolivianos. Raposo Tavares atingira o rio Mamoré e em seguida o Madeira, percorrendo-o em toda sua extensão, até a foz, no rio Amazonas, do qual se serviu também para chegar ao oceano Atlântico.

Lembrando que já no final da primeira metade do século XVIII, o Madeira era percorrido por coletores de drogas, que visavam também escravizar índios. Nunca até então pretenderam, porém, se fixar à terra ou nela produzir riquezas, mas somente iam buscar o enriquecimento. Além desses, também existiam os capitães que se apoderavam dos índios das missões, escravizando-os. Supostos dados revelam que naquele período as trinta e duas tribos indígenas que existiam na foz do Rio Caiari (Rio Madeira), foram pacificadas uma a uma pelos missionários, algumas com muita resistência, principalmente em decorrência do comportamento dos colonizadores.   



Os portugueses valiam-se principalmente dos missionários, principalmente dos jesuítas, para dominarem os aguerridos povos indígenas da região. Cabia aos padres a catequese e aos portugueses a construção de fortins e povoados, embora estes viessem depois. Pelo rio Madeira notabilizou-se o Padre João Sampaio, fundador da aldeia chamada Santo Antônio das Cachoeiras, transferida de local várias vezes até fixar-se definitivamente na parte superior da primeira cachoeira que tem este nome e onde floresceu, até 1910, um povoado cujas ruínas estão localizadas a sete quilômetros do ponto inicial da construção da ferrovia Madeira Mamoré em 1907, que deu origem a Porto Velho.


Da aldeia de Santo Antônio, Sampaio iniciou a escalada até a Bolívia, percorrendo todo o trecho encachoeirado do Madeira, quando localizou os jesuítas espanhóis, sob cuja responsabilidade encontravam-se dezesseis aldeias de índios nos rios Mamoré e Guaporé, até onde chegaram os garimpeiros de ouro de Corumbiara.

Em 1749, também o governador da Capitania de Mato Grosso, instruído pela corte, proibia a intromissão de particulares das povoações de seus domínios, reservando aos missionários o privilégio da administração. Entretanto, não tardou muito e começaram os julgamentos sobre o comportamento dos jesuítas, que eram acusados pelos brancos (tidos pelos padres como predadores de índios) de serem conspiradores da coroa junto aos espanhóis. Eles “juntavam-se uns aos outros  visando tão somente aos índios e sua pacificação, sem que os entregassem como escravos dos maiores portugueses”, conforme fora relatado a Teotônio da Silva Gusmão – Juiz de Fora – que deveria fundar a povoação de Nossa Senhora da Boa Viagem, nas imediações de Salto Grande, a qual desde aquela época tornou o nome de Salto de Teotônio” [1] , no rio Madeira e que chegara do Guaporé objetivando inclusive impedir regatões espanhóis de burlarem o fisco do ouro, escoado rio abaixo.

Aleks Palitot

Professor Mestre e Historiador.



[1] CORRÊA FILHO, Virgílio – História do Mato Grosso. Rio de Janeiro, MEC-INL, 1969. P.334.