segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Rio Madeira, o Caiari ou Iruri. O Temor dos navegantes.

 


O desafio de subir o Madeira

Na esteira da conquista do oeste iniciada no século anterior pelos bandeirantes, partiu de Belém do Pará, em 1723, a expedição de Francisco de Melo Palheta, com o objetivo de subir o Madeira para reconhecer suas nascentes. A travessia foi relatada por um dos membros da tripulação, narrativa anônima que se tornou o primeiro registro escrito sobre o Madeira e embasou o mais antigo mapa detalhado desse trecho, desenhado por José Gonçalves da Fonseca, então secretário do Governo do Estado do Maranhão e do Grão-Pará (equivalente aos atuais estados de Maranhão, Piauí, Pará, Amazonas, Roraima e Amapá).



Em 1749, mais uma expedição saiu de Belém: a de Luís Fagundes Machado, dessa vez com a missão de realizar o reconhecimento oficial da rota até as minas de Mato Grosso – já amplamente percorrida em sentido contrário por exploradores como Manuel Félix de Lima, à revelia da Coroa, que temia o contrabando de ouro. Coube a José Gonçalves da Fonseca documentar esta segunda subida do rio Madeira, encarregada também de averiguar a situação da missão de Moxos. Pertencente à Província do Peru, Moxos aparentemente estava se tornando um polo comercial importante na região, atraindo novos moradores de outras partes da província, o que agravava a disputa pela rota fluvial no Madeira.




A respeito das instruções passadas a José Gonçalves da Fonseca, escreveu o historiador André Ferrand de Almeida no texto A Viagem de José Gonçalves da Fonseca e a Cartografia do Rio Madeira (1749‑1752): “… esperava‑se que tivesse um cuidado redobrado nas observações que fosse realizando, anotando os rumos da corrente do Madeira, o número de cachoeiras, as dificuldades em atravessá-las e as distâncias entre elas. A preocupação com o cálculo das latitudes era uma constante: todos os dias deviam tomar a altura do sol, principalmente na boca dos rios. Para além de novos mapas do Amazonas …” deveria Fonseca desenhar um mapa do rio Madeira que mostrasse por onde se devia navegar e que permitisse visualizar as informações que fosse anotando sobre o rio e seus afluentes, e sobre as missões de Moxos. Uma vez chegado ao Mato Grosso, também lhe era pedido que fizesse um mapa onde registrasse todos os dados relativos à rede hidrográfica, ao relevo e às povoações portuguesas e espanholas, nomeadamente sobre Cuiabá e o caminho que ligava esta vila ao Mato Grosso”.




O relato de Fonseca é longo e especialmente detalhado na descrição das passagens pelas cachoeiras. “Fonseca ficou empolgado com a visão majestosa das águas revoltas através das pedras, e com a aventura que significava a travessia desses acidentes. Por isso, recorreu até a recursos literários para transmitir sua emoção diante de tão grandioso espetáculo”, escreveu Manoel Rodrigues Ferreira no livro A Ferrovia do Diabo (Melhoramentos). A principal consequência de seu relato foi a decisão régia de autorizar a abertura da rota do Madeira à navegação e ao comércio, em 1752 – medida de importância comercial e estratégica inegável.




Até o final do século 18, seriam realizadas mais duas subidas oficiais do Madeira: a do engenheiro Francisco José de Lacerda e Almeida (1781), chefe da Comissão Demarcadora dos Limites da América Portuguesa, e a do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1788), com objetivos puramente científicos.




Como já vimos, no século anterior (1650), Antônio Raposo Tavares atingira o Vale do Madeira, três anos depois que saíra de São Paulo de retorno de sua penetração pelos altiplanos bolivianos. Raposo Tavares atingira o rio Mamoré e em seguida o Madeira, percorrendo-o em toda sua extensão, até a foz, no rio Amazonas, do qual se serviu também para chegar ao oceano Atlântico.

Lembrando que já no final da primeira metade do século XVIII, o Madeira era percorrido por coletores de drogas, que visavam também escravizar índios. Nunca até então pretenderam, porém, se fixar à terra ou nela produzir riquezas, mas somente iam buscar o enriquecimento. Além desses, também existiam os capitães que se apoderavam dos índios das missões, escravizando-os. Supostos dados revelam que naquele período as trinta e duas tribos indígenas que existiam na foz do Rio Caiari (Rio Madeira), foram pacificadas uma a uma pelos missionários, algumas com muita resistência, principalmente em decorrência do comportamento dos colonizadores.   



Os portugueses valiam-se principalmente dos missionários, principalmente dos jesuítas, para dominarem os aguerridos povos indígenas da região. Cabia aos padres a catequese e aos portugueses a construção de fortins e povoados, embora estes viessem depois. Pelo rio Madeira notabilizou-se o Padre João Sampaio, fundador da aldeia chamada Santo Antônio das Cachoeiras, transferida de local várias vezes até fixar-se definitivamente na parte superior da primeira cachoeira que tem este nome e onde floresceu, até 1910, um povoado cujas ruínas estão localizadas a sete quilômetros do ponto inicial da construção da ferrovia Madeira Mamoré em 1907, que deu origem a Porto Velho.


Da aldeia de Santo Antônio, Sampaio iniciou a escalada até a Bolívia, percorrendo todo o trecho encachoeirado do Madeira, quando localizou os jesuítas espanhóis, sob cuja responsabilidade encontravam-se dezesseis aldeias de índios nos rios Mamoré e Guaporé, até onde chegaram os garimpeiros de ouro de Corumbiara.

Em 1749, também o governador da Capitania de Mato Grosso, instruído pela corte, proibia a intromissão de particulares das povoações de seus domínios, reservando aos missionários o privilégio da administração. Entretanto, não tardou muito e começaram os julgamentos sobre o comportamento dos jesuítas, que eram acusados pelos brancos (tidos pelos padres como predadores de índios) de serem conspiradores da coroa junto aos espanhóis. Eles “juntavam-se uns aos outros  visando tão somente aos índios e sua pacificação, sem que os entregassem como escravos dos maiores portugueses”, conforme fora relatado a Teotônio da Silva Gusmão – Juiz de Fora – que deveria fundar a povoação de Nossa Senhora da Boa Viagem, nas imediações de Salto Grande, a qual desde aquela época tornou o nome de Salto de Teotônio” [1] , no rio Madeira e que chegara do Guaporé objetivando inclusive impedir regatões espanhóis de burlarem o fisco do ouro, escoado rio abaixo.

Aleks Palitot

Professor Mestre e Historiador.



[1] CORRÊA FILHO, Virgílio – História do Mato Grosso. Rio de Janeiro, MEC-INL, 1969. P.334.

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