quinta-feira, 24 de novembro de 2022

OS PRIMEIROS HABITANTES DO NORTE

 Os primeiros habitantes

As incursões exploratórias pela Amazônia, a partir do século 16 não ocorreram sem conflitos. “As expedições de Orellana e Aguirre foram atacadas por flotilhas de centenas de canoas e seus desembarques sofreram oposição de hordas de guerreiros”, escreve John Hemming no livro Ouro Vermelho: A Conquista dos Índios Brasileiros (Edusp, 2008). “Décadas de anarquia se seguiram à chegada dos portugueses no início do século 17 … Durante quase cada ano do século, de 1620 a 1720, houve expedições de escravização, oficiais e não-oficiais, que subiram o Amazonas e seus tributários acessíveis. Uma média de talvez mil a dois mil índios era encaminhada anualmente para os mercados de escravos de Belém e São Luís do Maranhão, totalizando de cem mil a duzentos mil indivíduos durante o século”. A estimativa citada pelo autor, referente à região amazônica como um todo, impressiona. E ela considera apenas aos primeiros cem anos de contato com os colonizadores, além de não contar os mortos por combates e pela disseminação de doenças.


A expedição de Pedro Teixeira, em 1637, é a primeira a mencionar nativos (os Tupinambá e os Tapajós) em territórios próximos ao Madeira. “Até meados do século 17, tudo indica que a região sofreu um processo de expansão dos Tapajós e Tupinambá, tendo como consequência o contato, a vassalagem, escravidão e movimentação dos grupos localizados na área em questão. Porém também registra-se uma rápida retração desses dois grupos como resultado do intenso contato com o branco”, explica Miguel A. Menéndez no capítulo A Área Madeira-Tapajós – Situação de Contato e Relações entre Colonizador e Indígenas, integrante do volume História dos Índios no Brasil (Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura e FAPESP) e acessível pelo site (http://www.etnolinguistica.org/hist:p281-296). Segundo o autor, “o espaço deixado por esses grupos passa a ser rapidamente ocupado e registra-se o aparecimento de novos grupos, a que se refere a maior parte das informações do século seguinte”.


Os próximos dados disponíveis já provêm de missionários religiosos, encarregados pela Coroa de ocupar o vale como consequência da viagem de Raposo Tavares, que partiu de São Paulo, em 1647, e chegou a Belém, em 1651, depois de percorrer o Madeira em toda a sua extensão, revelando sua importância estratégica. Reunidas pelo Padre João Felipe Bettendorf, as informações se baseiam em relatos de jesuítas presentes na região desde 1683 e relacionam a presença dos Iruri, Paraparixana, Aripuanã, Onicor e Toreri.



São muitos os povos encontrados pelos missionários e expedicionários portugueses na região do Madeira nas proximidades do que no futuro será o município de Porto Velho, ao longo do século 18. No entanto, precisar onde viveu cada um deles continua sendo objeto de estudo, pois essas comunidades se deslocavam muito e os nomes que aparecem nos registros podem variar de acordo com o entendimento do escriba. O processo de catequese não ajudou a esclarecer a questão, pois olhava os indígenas de forma genérica, sem se preocupar com a identidade de cada povo. Tampouco a política implantada pelo Marquês de Pombal, a partir de 1757, se importava com isso: embora tenha abolido a escravidão indígena, visou transformar os nativos em colonos para consolidar a ocupação da Amazônia, algo que não condizia com a cultura nem com o modo de vida desses povos – que ficaram proibidos de falar suas línguas. Uma boa tentativa de localizar esses povos no espaço e no tempo está no trabalho Um Quadro Histórico das Populações Indígenas no Alto Rio Madeira Durante do Século XVIII, de Cliverson Gilvan Pessoa da Silva e Angislaine Freitas Costa, acessível no site (http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/amazonica/article/view/1751).

 


Com base em diferentes relatos sobre as populações indígenas ao longo do século 18, que permitiram observar suas loca­lizações e dinâmicas migratórias ou ex­pansionistas, a dupla elaborou um mapa com todos os grupos citados pelas fontes setecentistas, com suas respectivas localiza­ções e ano de registro.


Alguns desses povos, por sua hostilidade e combatividade, tornaram-se mais conhecidos e são mais citados na literatura sobre o tema. “Diversas tribos ali enfrentaram os brancos, opondo-lhes a mais tenaz resistência. Quando a vitória e a subjugação de uma delas parecia indicar que a região fora, afinal, conquistada, surgia outra, descendo dos altos cursos daqueles rios para ocupar o lugar da vencida e repetir os trucidamentos recíprocos”, escreve Darcy Ribeiro no livro Os Índios e a Civilização: A Integração das Populações Indígenas no Brasil Moderno (Civilização Brasileira, 1970). O autor relaciona quatro dessas tribos: Torá, Mura, Mundurukú (que foram aliciados pelos colonizadores para combater outras tribos) e Parintintin – as três primeiras mais ativas no século 18 e a última em meados do século 19.

ALEKS PALITOT

Historiador

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