segunda-feira, 29 de junho de 2015

O IMPERIALISMO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA



Há dois lados no capitalismo internacional: um em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. A comarca do mundo, que hoje se chama América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta. Passaram-se  séculos e a América Latina aperfeiçoou suas funções. Este já não é o reino das maravilhas, onde a realidade derrotava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus das conquistas, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região continua trabalhando como um serviçal. Continua existindo a serviço de necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que ganham, consumindo-os, muito mais do que a América Latina ganha produzindo-os.

O imperialismo desenvolve uma cultura peculiar, sem a qual não pode constituir-se nem reproduzir-se. Tanto o capitalismo como o imperialismo não poderão funcionar, se as relações sociais, econômicas ou políticas não estão fundadas em princípios ou valores como, o principio da propriedade privada; a definição do valor do salário; o lucro empresarial; sua identificação como forma histórica superior de desenvolvimento das relações de produção. Esses são alguns poucos exemplos dos principais elementos da cultura burguesa presente nas relações e estruturas de apropriação econômica e dominação política seja em país hegemônico seja em país dependente.

E necessário também se entender como funciona a política cultural do principal país hegemônico. Para compreender a especificidade da política cultural do imperialismo norte-americano, precisa-se acentuar, também, que tal política é parte integrante de sua ação diplomática. Segundo Hobsbawm[1], desde que assumiu plena hegemonia sobre o mundo capitalista, no curso da Segunda Guerra Mundial, seus governantes passaram a dedicar substanciais recursos materiais e intelectuais a sua política cultural internacional. Essa política envolveu a combinação de programas e agências governamentais com a atuação de empresas privadas. Estas, muitas vezes, estão associadas entre si e com empresas locais, nos diferentes países nos quais os governantes norte-americanos possuem interesses econômicos, políticos e militares. Na história das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e os países da América Latina, os problemas culturais não são, obviamente, os mais importantes. Mas são sempre presentes. Eles sempre são freqüentemente mencionados como indispensáveis à manutenção e ao aperfeiçoamento da compreensão e solidariedade entre países do hemisfério. Os acordos, tratados, pactos e programas, referem-se ás vezes da maneira extensa e especificada a problemas de cooperação cultural, ação cultural ou simplesmente educação, ciência e cultura. Às vezes, são bastante evidente como os programas adotados implicam difusão dos valores que correspondem mais ou menos diretamente aos interesses predominantes no governo e na grande empresa norte-americana.   
   
CULTURA REPRESSIVA

A indústria cultural do imperialismo é parte intrínseca das relações imperialistas de produção. Essa indústria está basicamente determinada pelas exigências das relações, processos e estruturas de apropriação econômica e dominação política que garantam a reprodução do sistema capitalista em escala mundial. Desta maneira, a mesma está organizada para manipular, sob as mais variadas formas, pessoas, grupos e classes sociais subalternas. Segundo Berger & Luckmann[2], essa manipulação não se limita a este ou aquele aspecto da indústria. Realiza-se em múltiplas e continuadas formas, implicando vários graus de repressão do pensamento, pois, pessoas e grupos alcançados por essa indústria são induzidos a pensar e expressar-se principalmente nos termos dos que a controlam. Afirma Ianni [3], que todo um conjunto de possibilidades de pensamento e expressão é esquecido ou reprimido, sendo que, a própria maneira de transmitir informações e interpretações, além da seleção de uma e outras, induz a sociedade a um modo alienado de pensar e expressar-se.



 A indústria cultural do imperialismo compreende o conjunto do processo de produção e comercialização de mercadorias culturais, segundo as exigências das relações e estruturas que garantem a reprodução internacional do capital. É este processo de reprodução que determina primeiramente, as características das mercadorias culturais, sejam elas, valores ou doutrinas. Mas como estes elementos da cultural espiritual não podem concretizar-se como mercadorias a não ser objetivando-se em palavras, imagens e sons, a indústria cultural do imperialismo compreende, também duas ordens de produtos culturais. Por um lado, compreende o livro, o jornal, televisão, o cinema, ou seja, uma ampla gama de elementos da cultura material, nos quais se formatam as idéias e valores. Por outro lado, a indústria cultural do imperialismo compreende os sistemas de comunicação, ensino e propaganda. Por fim, todo esse conjunto está fundado na combinação capitalista das forças produtivas básicas, nas quais se destacam a força de trabalho social. Em suma, a indústria cultural do imperialismo compreende o conjunto do processo de produção e comercialização de mercadorias culturais destinadas a favorecer o funcionamento e o aperfeiçoamento das relações imperialistas de produção. É dessa maneira pela qual se estabelecem e se repõe continuamente, os parâmetros burgueses nas formas de pensar das classes subalternas, no país dependente e no hegemônico.



Os países hegemônicos, como quaisquer nação, vão ser julgados e deveriam julgar a si mesmos pelo que fazem e não pelo que dizem. A exemplo de outros povos, os americanos são uma mistura de nobreza e mesquinharia, de elevadas aspirações e constante incapacidade de subir ao nível delas: a primeira república moderna e, durante mais de oitenta anos, uma república de escravos. Uma nação dedicada à liberdade, mas demasiadamente lenta em torná-la acessível à maioria do seu próprio povo. Um império relutante, não tão implacável quantos muitos outros, mas suficiente duro para com os povos que fazem parte dos interesses econômicos e políticos americanos.



Nos Estados Unidos, o capitalismo industrial levantou vôo somente depois da Guerra Civil, quando o direito do voto tinha sido estendido para construir o sufrágio universal. A lei dos contratos e regulamentos, bem como a cooperação cívica e as instituições cívicas locais atenuaram o feitio darwinista do capitalismo e contiveram suas tendências para o monopólio, a desigualdade e outras contradições autodestrutivas. Foi a nação americana que com sua política imperialista e dominadora, determinou para a América Latina o formato de um desenvolvimento de várias faces. Foi ela que rotulou, nomeou e fabricou pensamentos e ordenações para que os grupos elitistas regionais, ao modo americano, implementassem o imperialismo cultural, como repetidores de uma mesma idéia, se desvencilhando rapidamente da cultura local, tida como atrasada e grotesca, sem valores.



O discurso do progresso, desenvolvimento e crescimento, foram propagados pelas garras do capitalismo americano na América Latina. Entende-se que os jovens de ontem, as gerações que vão se sucedendo devem colher as suas lições de vida. Por essa senda, encontra-se o futuro, marcado, em certos momentos da história, por terremotos humanos que abalaram os destinos dos povos. Deles rebentaram vultos, alguns ensangüentadores de nações. Da Revolução Francesa, esta personalidade devastadora de velhas dinastias e do excrescente direito divino dos reis: Napoleão Bonaparte. Da Revolução Russa de 1917, abriram-se crateras nos povos do mundo; dela promanou novo reordenamento nos sistemas políticos da humanidade. Dos chãos do Caribe, na década de 50, rebentou a Revolução Cubana, dublê de romântico-idealismo para as novas gerações e satânica revolução para as carcomidas forças econômicas e políticas que dominavam a América Latina.
Ianni nos leva não apenas a refletir, mas a entender como a máquina do imperialismo cultural americano modifica tão rapidamente os valores culturais originais, os substituindo pelo seu modelo consumista e alienador. Percebemos que a indústria cultural americana busca seduzir a sociedade com o único objetivo de vender, de implantar e consolidar o tão desejado sonho americano, a custa da exploração e disparidades sociais. As civilizações se constroem nas lições do passado. Negá-lo é condicionar o homem à hora presente. Um ser humano condenado a viver para o consumo, abstraído de sua história e do próprio mundo onde está inserido, é fazê-lo marionete de forças dominantes.   

Aleks Palitot
Professor e Historiador
Reconhecido pelo MEC




[1]              HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. Companhia das Letras: São Paulo, 1999.

[2]                BERGER & LUCKMANN. A Construção Social da Realidade. Vozes: Petrópolis, 1973.

[3]              IANNI, Octavio. Imperialismo e Cultura. Vozes: Rio de Janeiro, 1976.

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