Há dois lados no capitalismo internacional: um em que alguns países
especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. A
comarca do mundo, que hoje se chama América Latina, foi precoce:
especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do
Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta.
Passaram-se séculos e a América Latina
aperfeiçoou suas funções. Este já não é o reino das maravilhas, onde a
realidade derrotava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus das
conquistas, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região continua
trabalhando como um serviçal. Continua existindo a serviço de necessidades
alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e
café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que ganham,
consumindo-os, muito mais do que a América Latina ganha produzindo-os.
O imperialismo desenvolve uma cultura peculiar, sem a qual não pode
constituir-se nem reproduzir-se. Tanto o capitalismo como o imperialismo não
poderão funcionar, se as relações sociais, econômicas ou políticas não estão
fundadas em princípios ou valores como, o principio da propriedade privada; a
definição do valor do salário; o lucro empresarial; sua identificação como
forma histórica superior de desenvolvimento das relações de produção. Esses são
alguns poucos exemplos dos principais elementos da cultura burguesa presente
nas relações e estruturas de apropriação econômica e dominação política seja em
país hegemônico seja em país dependente.
E necessário também se entender como funciona a política cultural do
principal país hegemônico. Para compreender a especificidade da política
cultural do imperialismo norte-americano, precisa-se acentuar, também, que tal
política é parte integrante de sua ação diplomática. Segundo Hobsbawm[1],
desde que assumiu plena hegemonia sobre o mundo capitalista, no curso da
Segunda Guerra Mundial, seus governantes passaram a dedicar substanciais
recursos materiais e intelectuais a sua política cultural internacional. Essa
política envolveu a combinação de programas e agências governamentais com a
atuação de empresas privadas. Estas, muitas vezes, estão associadas entre si e
com empresas locais, nos diferentes países nos quais os governantes
norte-americanos possuem interesses econômicos, políticos e militares. Na
história das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e os países da
América Latina, os problemas culturais não são, obviamente, os mais
importantes. Mas são sempre presentes. Eles sempre são freqüentemente
mencionados como indispensáveis à manutenção e ao aperfeiçoamento da
compreensão e solidariedade entre países do hemisfério. Os acordos, tratados,
pactos e programas, referem-se ás vezes da maneira extensa e especificada a
problemas de cooperação cultural, ação cultural ou simplesmente educação,
ciência e cultura. Às vezes, são bastante evidente como os programas adotados
implicam difusão dos valores que correspondem mais ou menos diretamente aos
interesses predominantes no governo e na grande empresa norte-americana.
CULTURA REPRESSIVA
A indústria cultural do imperialismo é parte intrínseca das relações
imperialistas de produção. Essa indústria está basicamente determinada pelas
exigências das relações, processos e estruturas de apropriação econômica e
dominação política que garantam a reprodução do sistema capitalista em escala
mundial. Desta maneira, a mesma está organizada para manipular, sob as mais
variadas formas, pessoas, grupos e classes sociais subalternas. Segundo Berger
& Luckmann[2],
essa manipulação não se limita a este ou aquele aspecto da indústria.
Realiza-se em múltiplas e continuadas formas, implicando vários graus de
repressão do pensamento, pois, pessoas e grupos alcançados por essa indústria
são induzidos a pensar e expressar-se principalmente nos termos dos que a
controlam. Afirma Ianni [3],
que todo um conjunto de possibilidades de pensamento e expressão é esquecido ou
reprimido, sendo que, a própria maneira de transmitir informações e
interpretações, além da seleção de uma e outras, induz a sociedade a um modo
alienado de pensar e expressar-se.
A indústria cultural do
imperialismo compreende o conjunto do processo de produção e comercialização de
mercadorias culturais, segundo as exigências das relações e estruturas que
garantem a reprodução internacional do capital. É este processo de reprodução
que determina primeiramente, as características das mercadorias culturais,
sejam elas, valores ou doutrinas. Mas como estes elementos da cultural
espiritual não podem concretizar-se como mercadorias a não ser objetivando-se
em palavras, imagens e sons, a indústria cultural do imperialismo compreende,
também duas ordens de produtos culturais. Por um lado, compreende o livro, o
jornal, televisão, o cinema, ou seja, uma ampla gama de elementos da cultura
material, nos quais se formatam as idéias e valores. Por outro lado, a
indústria cultural do imperialismo compreende os sistemas de comunicação,
ensino e propaganda. Por fim, todo esse conjunto está fundado na combinação
capitalista das forças produtivas básicas, nas quais se destacam a força de
trabalho social. Em suma, a indústria cultural do imperialismo compreende o
conjunto do processo de produção e comercialização de mercadorias culturais
destinadas a favorecer o funcionamento e o aperfeiçoamento das relações
imperialistas de produção. É dessa maneira pela qual se estabelecem e se repõe
continuamente, os parâmetros burgueses nas formas de pensar das classes
subalternas, no país dependente e no hegemônico.
Os países hegemônicos, como quaisquer nação, vão ser julgados e deveriam
julgar a si mesmos pelo que fazem e não pelo que dizem. A exemplo de outros
povos, os americanos são uma mistura de nobreza e mesquinharia, de elevadas
aspirações e constante incapacidade de subir ao nível delas: a primeira
república moderna e, durante mais de oitenta anos, uma república de escravos.
Uma nação dedicada à liberdade, mas demasiadamente lenta em torná-la acessível
à maioria do seu próprio povo. Um império relutante, não tão implacável quantos
muitos outros, mas suficiente duro para com os povos que fazem parte dos
interesses econômicos e políticos americanos.
Nos Estados Unidos, o capitalismo industrial levantou vôo somente depois
da Guerra Civil, quando o direito do voto tinha sido estendido para construir o
sufrágio universal. A lei dos contratos e regulamentos, bem como a cooperação
cívica e as instituições cívicas locais atenuaram o feitio darwinista do
capitalismo e contiveram suas tendências para o monopólio, a desigualdade e
outras contradições autodestrutivas. Foi a nação americana que com sua política
imperialista e dominadora, determinou para a América Latina o formato de um
desenvolvimento de várias faces. Foi ela que rotulou, nomeou e fabricou
pensamentos e ordenações para que os grupos elitistas regionais, ao modo
americano, implementassem o imperialismo cultural, como repetidores de uma
mesma idéia, se desvencilhando rapidamente da cultura local, tida como atrasada
e grotesca, sem valores.
O discurso do progresso, desenvolvimento e crescimento, foram propagados
pelas garras do capitalismo americano na América Latina. Entende-se que os
jovens de ontem, as gerações que vão se sucedendo devem colher as suas lições de
vida. Por essa senda, encontra-se o futuro, marcado, em certos momentos da
história, por terremotos humanos que abalaram os destinos dos povos. Deles
rebentaram vultos, alguns ensangüentadores de nações. Da Revolução Francesa,
esta personalidade devastadora de velhas dinastias e do excrescente direito
divino dos reis: Napoleão Bonaparte. Da Revolução Russa de 1917, abriram-se
crateras nos povos do mundo; dela promanou novo reordenamento nos sistemas
políticos da humanidade. Dos chãos do Caribe, na década de 50, rebentou a
Revolução Cubana, dublê de romântico-idealismo para as novas gerações e
satânica revolução para as carcomidas forças econômicas e políticas que
dominavam a América Latina.
Ianni nos leva não apenas a refletir, mas a entender como a máquina do
imperialismo cultural americano modifica tão rapidamente os valores culturais
originais, os substituindo pelo seu modelo consumista e alienador. Percebemos
que a indústria cultural americana busca seduzir a sociedade com o único
objetivo de vender, de implantar e consolidar o tão desejado sonho americano, a
custa da exploração e disparidades sociais. As civilizações se constroem nas
lições do passado. Negá-lo é condicionar o homem à hora presente. Um ser humano
condenado a viver para o consumo, abstraído de sua história e do próprio mundo
onde está inserido, é fazê-lo marionete de forças dominantes.
Aleks Palitot
Professor e Historiador
Reconhecido pelo MEC
Aleks Palitot
Professor e Historiador
Reconhecido pelo MEC
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