Se a chegada da expedição
colombina às Antilhas, em 1492, contribuiu para ampliação do horizonte
geográfico e cultural dos europeus no final do século XV, uma vez que as terras
recém-descobertas tornaram-se uma gigantesca periferia do mundo, as várias
expedições conquistadoras, que trilharam o Novo Mundo ao longo do século XVI,
revelaram, por seu turno, que nesta imensa “margem do mundo”, havia outras
margens. Foi assim que, a partir das Antilhas, as regiões de terra firme do
continente americano foram sendo conquistadas. No primeiro momento, foi a
região mesoamericana, tendo a derrota da Confederação Asteca como seu principal
triunfo. No segundo, já a partir do que hoje é o Panamá, foi a vez dos Andes
Centrais,e com prêmio, o Império Inca.
Foi nesse processo de conquista
colonial que a região amazônica tornou-se uma das margens do Novo Mundo, um
vasto desconhecido. Porém, um vasto desconhecido que, ao contrário do que
ocorreu com o Vale Mexicano ou com os Andes Centrais – “margens” que se
tornaram “centros” do mundo colonial -, continuou nessa condição, vindo até os
dias de hoje.
Marechal Cândido Rondon |
Sendo uma das “margens” –
limites – do Novo Mundo, a Amazônia, como região ainda bastante desconhecida
pelos europeus, tornou-se, ao lado de outras “margens americanas”, um alimento
para imaginação coletiva. Em suma: à medida que a conquista europeia
prosseguia, o empirismo do devassamento era acompanhado por expectativas e
projeções oriundas de um universo mental carregado de componentes de longa
duração e outros simbolismos. Desejos da conquista e colonização são escravos
das canoas, e estas dos rios. Pelas estradas naturais da Amazônia seguiram
bandeirantes, índios, missões, moções, entradas, sertanistas e quilombolas. Os
sertões são transformados em paisagens movediças. Estão em todos os lugares.
Ressurgem ou desaparecem. Tanto lugares de passagem das narrativas que
enfatizam a dominação como portos seguros para quem procura proteção. Mapas e
desenhos consolidam a dominação. Cenários ocultam e ao mesmo tempo desvelam os
sertões.
Marechal Rondon idealizador do SPI - Serviço de Proteção ao Índio - 1910 |
Diante de muitas incertezas e
obscuridade sobre a região Amazônica em Rondônia, o presidente da República
Afonso Pena, incumbiu um homem, que trazia consigo o espírito dos povos
indígenas, o respeito pela floresta dos quilombolas, e a coragem e determinação
bandeirantes e exploradores, estes personagens do passado, Mas, que se faziam
presente em atitudes positivas no que tange ao percurso doloroso que Rondon
travou em meio ao vasto desconhecido, trazendo após anos de trabalho, um pouco
da floresta ao povo brasileiro, que ainda era povoado por lendas, mistérios e
vazios científicos. Marechal Rondon, foi em seu tempo o homem certo, para uma
missão incerta. O militar aguerrido, que evitada guerra contra índios. O
positivista convicto em busca da Ordem e do Progresso.
1907, O COMEÇO DE TUDO.
Em 1907, o oficial do corpo de
engenharia militar, Cândido Mariano da Silva Rondon foi encarregado pelo
governo federal de implantar a linha telegráfica entre Mato Grosso e Amazonas (
atualmente parte de Rondônia), tendo como extremos a cidade de Cuiabá e Santo
Antônio do Rio Madeira, povoado que se localizava a 7 km acima da atual capital
de Rondônia.
Rondon a implantou depois de
cortar toda uma região que Roquete Pinto sugeriu em 1915, chamar-se “terras de
Rondônia”, local etnográfico entre Juruena e o Madeira, cortado pela linha
telegráfica já conhecida por “Estrada Rondon”. Para bom desempenho do seu
trabalho o sertanista dividiu-o em três grandes etapas denominadas “expedições”
e que foram: A expedição de 1907, que levantou o trecho entre Cuiabá e o rio
Juruena, fazendo um total de 1.781 km de reconhecimento; A expedição de 1908,
que efetuou 1,653 km de reconhecimento, tendo varado o inóspito trecho entre
Juruena e a Serra do Norte; A expedição de 1909, a mais famosa de todas, com
2.232 km de reconhecimento e incrível varação pelas florestas intrínsecas da
Amazônia, saída da Serra do Norte até o caudaloso rio Madeira.
A EXPEDIÇÃO DE 1907
A empreitada teve início em 2 de
setembro de 1907 e, no dia 29 de novembro, já estava de regresso a Diamantino,
após ter chegado a Juruena. Era aquele ponto que seria conquistado pela
Comissão Rondon em sua primeira penetração pelos sertões, depois da partida de
Cuiabá, e passagem pelos vilarejos de Guia, Brotas e Rosário, trajetória da
linha telegráfica. Entretanto, os 89 dias contados pela Expedição foram a
partir de Diamantino, quando começaram a abrir o piquete de penetração. A
coluna foi composta pelo até então Major Rondon como comandante; ajudante o 2°
tenente João Salustiano Lyra; o farmacêutico Benedito Canavarros; o fotógrafo
Luiz Leduc; e mais 16 praças e empregados auxiliados por 34 muares e 4 bois
cargueiros.
Membros da Comissão após abaterem um anta, para complementar a alimentação. |
Munidos de uma trompa que lhes
servia acústica, os expedicionários andavam a cavalo quando o local permitia,
seguindo o “picador” com a bússola de algibeira do chefe. Um homem era
encarregado de medir a distância por intermédio do passômetro de um dos animais
escolhido para aquela finalidade. O picador iria à frente marcando as árvores
por onde deveriam passar os foiceiros e machadeiros, denominados assim naquela
épocas, os bravos homens que seguiam a frente da abertura dos caminhos da
Comissão Rondon.
Ao meio-dia já os trabalhadores
deveriam escolher o local para acamparem, pois que haviam saído pela madrugada
depois da primeira refeição e mesmo porque os picadeiros, mais lentos, haveriam
de chegar muito mais tarde, quando então se reuniam para avaliação dos feitos
diários e, após a terceira refeição, às 22 horas, soava o toque do silêncio.
Comissão Rondon em Rondônia - 1915 |
Cinco dias depois da saída de
Diamantino, os expedicionários entraram em contato com os índios Parecis, na
cachoeira do Kágado, a 74 km de Diamantino, quando Rondon mandou fincar um
mastro no qual se fez o hasteamento do pavilhão nacional pelo cacique da tribo;
ao mesmo tempo incorporou o parecis Zavadá-issu como guia. Aqueles índios já
eram pacificados, sendo que muitos trabalhavam com proprietários de seringais.
Em
10 de outubro, os sertanistas chegavam as margens do rio Sauêuna, divisa com
dos domínios Parecis e Nhambiquaras. Transposto o rio, a mata exigiu mais um
sacrifício da Comissão que passaria a andar somente a pé, pois que o cerrado
exigia maior número de braços na abertura do pique. Ainda em outubro a Comissão
Exploradora chegara ao Jacy e, prosseguindo, varou várias trilhas de índios e,
finalmente, no dia 20 chegaram à margem do Juruena.
EXPLORAR É PRECISO, EXPEDIÇÃO DE 1908.
Entre os dias 20 de julho a 3 de novembro
do ano de 1908, a coluna expedicionária de Rondon voltou a percorrer o trecho
já conquistado e mais a parte compreendida entre Juruena e Serra do Norte,
desta feita com número maior de expedicionários – 127 homens bem armados, 90
bois de carga, 50 burros, 6 cavalos e mais 20 bois para corte. Os principais
expedicionários eram, além de Rondon, os segundos-tenentes Nicolau Bueno Horta
Barbosa, Emanuel Silvestre Amarante, João Salustiano Lira e tenente médico
Manoel de Andrade, tenentes Carlos Carmo de Oliveira Melo e Américo Vespúcio
Pinto da Rocha, o farmacêutico Benedito Canavarros, o fotógrafo Luiz Leduc, um
inspetor e dois guarda-fios, 30 tropeiros e 82 praças do exército que seriam
homens comandados pelo 2° tenente Joaquim Ferreira da Silva que tinham como
missão, além do apoio que ofereciam aos demais expedicionários, pacificarem os
ferozes Nhambiquaras para a facilitação dos trabalhos de implantação da linha
telegráfica. Eles eram, defendiam sua morada, não deram descanso aos
expedicionários que se viam também com extravio dos animais, seja por adoecerem
ou mesmo fugirem. Alguns “soldados de espírito fraco”[1],
como os denominou Rondon, chegaram a desertar, apavorados com o desconhecido.
índios contactados pela Comissão Rondon - 1913 |
A fome
os castigou violentamente, pois largaram os víveres na estrada, pela falta de
animais para os conduzirem ou por estragarem. Em outubro, Rondon já se
encontrava divisando a Serra do Norte e transpôs o rio que denominou
Nhambiquara. Nos dias 10 e 11, os sertanista fez travessia dos igarapés que
denominou Veado Branco, Assaí, Jacutinga, Guariboca, Gruta da Pedra, Garnica,
Traíra, dentre outros. Dali, a 5 km do rio Nhambiquara, Rondon regressou ao
ponto de partida.
Como
da vez anterior, o chefe anterior, o chefe da coluna expedicionária mandou
colocar em giraus todo o material que servira na abertura da picada, além de
ter salgado sete bois que lhes restavam e que ficariam como presente aos índios
que pretendiam pacificar.
Aquela
expedição sofreu, além dos ataques dos índios que naturalmente defendiam sua
morada, também o aparecimento do impaludismo que chegou a vitimar um de seus
homens. Sendo assim, Rondon então regressou a Tapirapoã, local de onde partira
a coluna, no dia 22 de dezembro de 1908, onde posteriormente o Marechal Rondon
dissolveu a Comissão Exploradora.
RONDON EM RONDÔNIA: EXPEDIÇÃO DE 1909.
Membros da Comissão Rondon em Jaru |
Em seu
caminho pelas florestas inexploradas, tribos hostis foram o menor dos percalços
onde hoje são consideradas terras do Estado de Rondônia. Doenças como malária
sugaram as forças das tropas que o acompanharam e mataram muitos dos seus
homens. O próprio Rondon esteve à beira da morte. A caminhada pela floresta era
dura. A fome sempre rondava, já que não havia, inicialmente, postos de
reabastecimento. Muitas vezes, os soldados precisavam caçar o alimento do dia.
O resultado era uma enorme quantidade de deserções entre os praças designados
para trabalhar com o marechal. “ A nossa resistência física se dobrava sob o
peso da fome e das privações de toda sorte que nos atormentaram durante a
travessia”, declarou Rondon sobre sua segunda expedição ao Rio Madeira.[2]
Ainda
assim, o militar e seus mandados foram abrindo caminho por entre árvores e
rios, levantando postes e construindo postos de telégrafo em meio à selva em
Rondônia. No entanto, como conta Todd Diacon[3],
os números mostram que a obra não significou uma revolução em termos de
comunicação para a região. Uma das estações, por exemplo, a Presidente Hermes
(Situada em Presidente Médice-RO), só mandou 38 telegramas em 1924, e só
recebeu 15 ao longo daquele ano.
Estação Telegráfica Álvaro Vilhena - 1911 |
Quando
o último prego da linha telegráfica ligando Cuiabá a Rondônia foi pregado, a
tecnologia das transmissões por rádio se estabeleceu e criou-se o telégrafo sem
fio. O importante não foi a linha em si, e sim a exploração de uma região
inexplorada e o contato cordial com os indígenas. Rondon era um excelente
geógrafo e naturalista, trouxe as primeiras informações sobre muitos lugares da
Amazônia. Trouxe conhecimento do território, de plantas, animais, além da
descrição de tribos e seus costumes. Além disso, foi ele quem convenceu a
população brasileira de que valia a pena defender os índios.
Dessa
forma, claro que a Terceira Expedição de 1909 foi a mais importante das
expedições para Rondônia. Pois a mesma varou todo o sertão do atual Estado em
travessia que durou 237 dias de maio até dezembro, numa extensão superior a 800
quilômetros e, duas turmas organizadas por Rondon e denominadas turma Norte e
turma Sul, sendo que, enquanto a norte procurava localizar a cabeceira do rio
Jacy-Paraná, cabia à turma sul a tarefa de reconhecimento e exploração do
terreno compreendido entre Serra do Norte e o Rio Madeira, esta sob a chefia do
então tenente-coronel de engenharia Cândido Mariano da Silva Rondon e mais os
subalternos zoólogo Alípio de Miranda Ribeiro, 1° tenente médico Dr. Joaquim
Augusto Tanajura, 1° Tenente militar João Salustiano Lyra, 1° tenente
Engenheiro militar Emanuel Silvestre do Amarante, 1° tenente Alicariense
Fernandes da Costa, 2° tenente Antônio Pirineus de Souza, guarda-fio Pedro
Creveiro Teixeira, guarda-fio João de Deus e Silva, cacique parecis major
Libanio Koluizorocê, guia índio Joaquim Zolámaie, 14 praças do exército e 18
trabalhadores civis.
Membros da Comissão Rondon em Cadeias do Jamari em 1912 |
Como
se tratava de uma das mais ricas arriscadas missões da coluna expedicionária,
Rondon preocupou-se tomar algumas decisões, tais como exigir de seus
auxiliares, rigoroso exame sanitário visando a sondar o estado físico
necessário aos andarilhos que seriam a partir de então. Nos Campos Novos, no
local por ele denominado Mata da Canga, os índios fizeram emboscadas que
resultaram na morte do soldado Rosendo, nos Campos de Comemoração de Floriano (
em Pimenta Bueno), os expedicionários se detiveram 51 dias, procurando
localizar as cabeceiras que davam para os rios Guaporé, Madeira e Tapajós – um
platô que foi explorado minuciosamente até o dia 21 de agosto daquele ano. No
dia 14 de setembro, a coluna passou por uma aldeia de índios que fora visitada
por Rondon.
Abertura de picadão para a denominada estrada Rondon, por onde passavam os fios. |
No dia
9 de outubro, no km 354 da exploração, os expedicionários descobriam um rio de
50 metros de largura, a que Rondon deu o nome de Pimenta Bueno. No dia 24 de
outubro, a turma teria se dividido conforme orientação de Rondon. O mesmo
chefiava uma turma de 28 homens e, em dezembro, viu-se bastante prejudicado com
a falta de alimentos, mas no dia 25, a expedição chegava ao ponto desejado,
Santo Antônio do Rio Madeira, quando o chefe da turma proferiu o seguinte
discurso:
“
Heroicos e dedicados companheiros, não ofenderei a modéstia que orna o vosso
diamantino caráter, afirmando-vos que à vossa coragem e patriotismo devemos a
conclusão deste reconhecimento de sua organização. Entretanto, aqui nos achamos
à margem do rio Madeira, com a marcha de 1.415 km, a contar do porto de
Tapirapoã, um levantamento topográfico de 1.211 km, inclusive 200km de
variantes diversas e 354 km do curso do rio Jamary, compreendido entre o
repartimento e a barra e determinação de 15 posições geográficas dos pontos em
que nos foi possível fazer observações astronômicas para tanto”[4]
[1]
MAGALHÃES, Amilcar A. Botelho – Pelos
Sertões do Brasil. Porto Alegre, Globo – 1930. pág.244.
[2]VIVEIROS,
Esther. Rondon conta sua vida. Biblioteca do Exército. Rio de Janeiro, 2010.
[3] DIACON,
Todd A. Rondon. Companhia das Letras. São Paulo, 2006.
[4] [4]
MAGALHÃES, Amilcar A. Botelho – Pelos
Sertões do Brasil. Porto Alegre, Globo – 1930.
Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098
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