terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Rondon e Rondônia:100 anos das Linhas Telegráficas

           “Atacado pelos índios, Rondon tem seu rosto riscado por uma flecha. Um oficial grita: é uma vergonha se o Exército não der um corretivo exemplar àqueles selvagens. Rondon corta-lhe a palavra: ‘Quem representa o exército aqui sou eu, e o Exército não veio aqui fazer guerras. Os nambikuára não sabem que a nossa missão é de paz. Se esta terra fosse vossa e alguém visse roubá-la, ainda por cima, vos desses tiros, o que é que os senhores fariam apesar de civilizados? ’
       Mão firme e palavras como estas é que disciplinam a tropa. ” (GOMES, Emmanoel, 2012 :130)


Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon.

O empenho e a atuação do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, foi fundamental para revelar aos centros “políticos e desenvolvidos” do Brasil uma natureza fantástica, localizada no longínquo mundo amazônico do início do século XX, palco de outras inúmeras aventuras e personagens que desafiaram as adversidades que a floresta impõe aos invasores.
Árvores gigantescas e retorcidas, rios, lagos, cachoeiras, animais, mitos e lendas que descortinaram uma realidade cultural profunda com temperos, aromas exóticos e sedutores quase completamente desconhecidos pelo povo brasileiro.
Enganam-se os que associam à Comissão Rondon somente a construção de uma linha telegráfica entre Cuiabá, capital do Mato Grosso e Santo Antônio das Cachoeiras, localidade até então inconveniente para ocupação humana.

Derrubada de árvores para abrir caminhos as Linhas Telegráficas - 1913
Alguns, ainda seduzidos por pobres polêmicas, buscam diminuir a trajetória de Cândido Rondon focando sua atuação como “matador de índios ou protetor dos índios”. Afirmaria, com toda tranquilidade, que esse é o debate pobre e fútil sobre nosso maior personagem que serve somente para ridicularizar que o promove. Rondon liderou uma expedição épica, inimaginável, composta por profissionais com grande experiência e várias especialidades que desenvolveram estudos na área da geologia, botânica, cartografia, topografia e geografia, além de estudos sobre as nossas fronteiras, produzindo farto material sobre essa região da Amazônia.
A destemida expedição de Cândido Rondon deve, no mínimo, compor o cenário das grandes expedições filosóficas e científicas que percorreram o interior do Brasil e os rios amazônicos a partir do século XVIII. Condamine, Alexandre Rodrigues Ferreira, os austríacos Spix e Martius, o barão de Langsdorf, os ingleses Bates e Wallace, Dr. João Severiano da Fonseca e mais recentemente Claude Lévi Strauss compõem parte dessa galeria de grandes exploradores e pesquisadores.

Rondon na região fronteira entre Mato Grosso e Rondônia
Rondon foi muito além destes, pois carregava a missão de integrar um território e suas gentes ao restante do Brasil. Foi muito além das questões telegráficas e de fronteiras, dos estudos dos três reinos naturais: a fauna, a flora e o mineral. Rondon foi além das tentativas de integração dos povos que viviam em um mundo abandonado e esquecido na escuridão das florestas chuvosas, quentes e úmidas. Ele levou e representou os valores de uma pátria, carregou em si um Brasil inexistente na maior parte de seus gestos o que havia de melhor em nosso país naquele momento. É tarefa complicada para qualquer historiador encontrar um brasileiro com tamanha envergadura, espírito cívico, disposição e coragem.


Cândido Rondon não se contentou em revelar ao mundo as “Terras de Rondônia” como afirmou Roquete Pinto ou acompanhar o ex presidente americano Roosevelt em sua expedição a nossa região do atual estado de Rondônia. Ele percorreu a maior parte do território nacional em missões que somente os “homens gigantes” enfrentavam. Por isso, os mesmo se destacou nacionalmente e internacionalmente por suas preocupações com os povos indígenas, que sofriam constantes massacres sem a mínima atuação do Estado em seu socorro. Como criador do Serviço de Proteção ao Índio – SPI em 1910, instituição que se transformou em FUNAI em 1967, Fundação Nacional do Índio, Rondon procurou atuar na proteção e defesa dos povos e culturas indígenas.

Foto retirada do livro do historiador Emanuel Pontes Pinto
Cândido Rondon é indiscutivelmente o maior sertanista brasileiro de toda nossa história, é esse o foco que deveríamos investigar, pois sua atuação ainda ecoa sobre todos nós que moramos na porção ocidental do Brasil. A maioria dos estudos feitos sobre nosso mais conhecido personagem histórico nos informa sobre sua preocupação em preservar a cultura e as tribos indígenas.
Se houve conflitos, precisamos lembrar que Rondon atuou em uma época onde a cultura existente pregava uma lógica desenvolvimentista que elegia os povos indígenas como inimigos ou empecilho ao desenvolvimento urbano e “civilizado” da época, um período onde era comum crer na máxima: “índio bom é índio morto”. Rondon foi um verdadeiro brasileiro, em suas veias o sangue índio era evidente, sua brasilidade era enraizada ao tempero e ritmo de sua gente, é contra a lógica de genocídio que ele atua e milita. Seu ideal é o de um militar das “grandes causas humanitárias”. Em função dessa realidade, Rondon é um dos poucos personagens “oficiais” da nossa história que realmente merece ser promovido ao panteão de grande herói nacional.


RONDON, SUA OBRA E HISTÓRIA.


Cândido Mariano da Silva Rondon teve sua origem humilde. Filho de um tratador de animais, descendendo de espanhóis e índios terenas, de bandeirante, e bororos, agigantando-se em nossa história, destacando-se como militar, pacificador, cientista, construtor de estradas, de linhas telegráficas e inúmeros outros serviços prestados ao País. Rondon constituiu-se um símbolo da vontade humana, norteado pela religião que abraçou, baseada no amor à humanidade, tendo como seu lema: “morrer se preciso for, matar nunca”.
Nasceu Cândido Mariano da Silva Rondon a 5 de maio de 1865 na Sesmaria de Morro Redondo, nos Campos de Dourados, Estado do Mato Grosso, filho de Cândido Mariano da Silva e de sua esposa Dona Claudina Evangelista. Anos depois de seu nascimento acrescentou ao seu nome o sobrenome de seu tio e padrinho, Manuel Rondon, com a devida autorização do Ministério da Guerra.

Rondon em contato com índios entre Mato Grosso e Rondônia.
Graças a seu esforço e à sua capacidade nos estudos, o jovem natural de Campos de Mimoso, aos sete anos foi conduzido pelo tio a Cuiabá, iniciando seus estudos no Liceu Cuiabano e, já aos dezesseis anos, conseguiu um lugar de Professor do Ensino Primário na mesma instituição de ensino. Porém, seu espírito inquieto desejava maior dinâmica, o moço tinha vontade de ingressar na carreira militar e eis que em 26 de novembro de 1881 integrou-se no 3° Regimento de Artilharia à Cavalo e logo a seguir passou a frequentar a Escola Superior de Guerra, na Capital Federal. Figurou desde logo nos quadros de honra da Escola e pelo seu valor, já como 2° Tenente foi convidado para ministrar, na própria Escola, as cadeiras de Astronomia e Mecânica Racional.

Estação Telegráfica em Jaru - Rondônia
Rondon, a exemplo de uma lista imensa de outros sertanistas, demonstrou incrível coragem e determinação ao atuar em regiões tão inóspitas no interior do Brasil, deve ser citado ao lado de Antônio Rolim de Moura Tavares, primeiro governante da Capitania do Mato Grosso. Domingos Sambucet, Engenheiro que iniciou as obras do Real Forte Príncipe da Beira e faleceu de malária. Ricardo Franco de Almeida Serra, Engenheiro que trabalhou no Real Forte Príncipe da Beira após o falecimento de Sambucet. Francisco de Melo Palheta, bandeirante que introduziu as primeiras mudas de café no Brasil e percorreu o trajeto entre Belém do Pará e Vila Bela da Santíssima Trindade no mato Grosso em meados do século XVII. Luis de Albuquerque Melo Pereira e Cáceres, quarto Governador da Capitania do Mato Grosso, foi na sua gestão que se construiu o Forte Príncipe da Beira. Trabalhadores dos seringais e da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Francisco e Apoena Meireles, grandes sertanistas e indigenistas.

Rondon em trabalho na demarcação de fronteiras na Amazônia
Entre os vários títulos e homenagens, Marechal Rondon foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz no ano de 1925. O propositor de tal homenagem foi nada mais e nada menos que o maior físico da história da humanidade, Albert Einstein. Mais tarde, na década de 50, foi indicado novamente.
Nos anos de 1892 e 1898 ajudou a construir as linhas telegráficas de Mato Grosso a Goiás. Entre 1900 e 1906 dirigiu a construção de mais uma linha telegráfica, ligando Cuiabá e Corumbá, alcançando as fronteiras do Paraguai e Bolívia. No início do século XX encontrou as ruínas do Real Forte Príncipe da Beira, uma das maiores relíquias históricas de Rondônia. Em 1907, no posto de major do Corpo de Engenheiros Militares, foi nomeado chefe da comissão que deveria construir a linha telegráfica amazônica, e que foi denominada “Comissão Rondon”. Seus trabalhos desenvolveram-se de 1907 a 1915.

Atuação do Serviço de Proteção ao Índio - 1911
Em 1910 organizou e passou a dirigir o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), criado em 7 de setembro de 1910. Em 12 de outubro de 1911 inaugurou a estação telegráfica de Vilhena, na fronteira do estado do Mato Grosso e Rondônia. Em 1914 participou da denominada expedição Roosevelt-Rondon, junto com o ex-presidente dos Estados Unidos da América, Theodore Roosevelt. Realizando novos estudos e descobertas na região. Durante o ano de 1914 a Comissão Rondon construiu em oito meses, 372 km de linhas e cinco estações: Pimenta Bueno, Presidente Hermes, Presidente Pena, Jaru e Ariquemes. No dia 1° de janeiro de 1915 inaugurou a estação telegráfica de Santo Antônio do Madeira, concluindo a gigantesca missão que lhe fora conferida.

Marechal Rondon - 1930
Por tantos e inúmeros feitos, em 5 de maio de 1955, data de seu aniversário de 90 anos, recebeu o título de Marechal do Exército Brasileiro concedido pelo Congresso Nacional. Homenageando o velho Marechal, em 17 de fevereiro de 1956, o Território Federal do Guaporé teve seu nome alterado para Território Federal de Rondônia. O grande líder e “cacique branco” como era denominado por alguns índios, veio a falecer no Rio de Janeiro, aos 92 anos, em 19 de janeiro de 1958. 

Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O Furo do Candeias, desafio do homem na floresta


Casarão do Dr Martins Português datado de 1911 as margens do Madeira 
O “ciclo da borracha” é um evento na história econômica da Amazônia, que enseja farta matéria de estudo. Da atividade extrativa da borracha, decorrem também outros fatos históricos como, a conquista do Acre e a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Em virtudes desses fatos, as fronteiras brasileiras foram alargadas, surgindo novos estados: Acre e Rondônia.
O sentindo de alargar fronteiras, vai além de um todo, no que tange apenas a ampliação dos limites do Brasil amazônida. O poder dos seringalistas e os braços dos seringueiros, também conhecidos como “soldados da borracha”, possibilitaram façanhas conhecidas e desconhecidas em meio à floresta. Imaginar que nordestinos fugindo da seca do agreste, e migrando para a Amazônia com um bioma e geografia diferenciada, puderam abri um canal de um quilometro e meio em Rondônia, praticamente um novo rio, ligando assim os Rios Candeias e Madeira, isso sim é algo fantástico, vai além de alargar fronteiras. A vala ou furo do Rio Candeias, é até então pouco conhecido em história por quem vive em Rondônia.
Furo do Candeias ou Vala do dr. Martins próximo a São Carlos distrito de PVH. 
Percorremos o trecho em questão, navegando pelo canal, e percebemos a grandeza de tal obra, podendo imaginar as dificuldades da época para sua construção. Segundo o historiador da Universidade Federal de Rondônia, Dante Fosenca, estima-se que a obra tenha sido concluída em meados de 1910 ou 1912, e que o dono da ideia, seria de um engenheiro português chamado de Dr. Martins. Acredita-se que o mesmo tinha grau de parentesco com o fundador da cidade de Humaitá no Amazonas, o Comendador Monteiro, que possuía seringais as margens do Rio Madeira

Pelas de borracha sendo transportadas pelos rios da Amazônia
Segundo relatos, o dr Martins era proprietário do seringal Aliança em Cadeias do Jamari, e perdia considerável tempo no transporte de pelas de borracha pelo rio que dava nome a região, pois, por este se seguia até o encontro do rio Madeira.
Casarão abandonado em antigo Seringal Nova Aliança - uma das mais antigas
 edificações do município de Porto Velho - datado de 1911. 
Para os seringalistas, evidentemente tempo era dinheiro, por isso, para evitar prejuízos e  agilizar o transporte da borracha, dr Martins teria encontrado um ponto de proximidade entre os rios, e a partir desse paralelo teria traçado um caminho, somado ao desafio de desmatar o local em um trecho de 1,5 km, abrindo uma vala em uma região onde 80% do solo era argiloso. Não deve ter sido tarefa fácil, até por que não era de muita utilidade a dinamite, artefato comum nesses tipos de trabalho. Por isso, a maior parte do serviço foi feito pelos braços dos valorosos seringueiros que com pás, picaretas, inchadas, serras e machados; abririam a floresta e cavariam um canal por onde seria possível navegar com regatões e pequenas embarcações. Estas transportariam o ouro branco, a borracha, diminuindo distancias geográficas, dessa forma o homem da floresta era convidado diariamente a desafiar as adversidades em Rondônia, cavando um novo rio, um canal, uma vala.
Casarão abandonado com telhas francesas, piso lateral português, sistema de circulação
de ar, encanamento inglês, papel de parede português e piso de madeira nobre.
Quando visitamos a região, nos deparamos com antiga sede do seringal que agora seria denominado de Nova Aliança, a beira do Rio Madeira e próximo ao furo ou vala do senhor Martins. Lá encontramos um antigo casarão em ruínas datado de 1911. De impressionante arquitetura no estilo português com telhas francesas datadas de 1910. Ainda é possível encontrar parte do piso original na varanda da edificação e também o papel de parede da época na parte interna do casario. Próximo ao local, nos surpreendemos, com uma escola em ruínas com quatro salas de aula, o que é difícil, de se imaginar em um seringal. Onde a maioria dos coronéis e seringalistas, preferiam trabalhadores não instruídos para assim facilitar o sistema de barracão e aviamento, comum nesse tipo de economia, onde o soldado da borracha era explorado. Sabe-se que a esposa do dr Martins era professora, e em meio a sede do seringal sem ter o que fazer no dia-dia, teria insistido ao marido, a necessidade da construção de uma escola onde ela pudesse lecionar e se sentir útil.
Cemitério do Seringal próximo ao casarão português
A produção de borracha foi uma atividade que proporcionou ao governo brasileiro, a oportunidade ocupacional, a organização política administrativa da região, usando apenas os recursos naturais que a floresta oferecia. Os rios serviam aos exploradores como estradas por onde os recursos naturais saíam, transportados para grandes centros comerciais. O homem nordestino representou para o governo, a força de trabalho, a mão-de-obra empregada para extrair as riquezas. Após a exaustão da produção do látex a mão-de-obra foi descartada e os seringueiros foram esquecidos, abandonados no meio da floresta, e aí permaneceram, viveram e envelheceram. Mas, sua história sempre será evidenciada, no intuito de lançar luzes sobre o legado de um povo, que com braços fortes encarou a floresta e construiu uma linda história.

Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87

Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Santo Antônio de muitas Histórias

Área portuária de Santo Antônio do Alto Madeira - 1915
Em Santo Antônio do Madeira desde 25 de janeiro de 1873 já havia uma Mesa de Renda para cobrança de impostos e, em 7 de julho de 1891 fora estabelecida a coletoria, seguindo-se a criação e instalação da comarca, com seu primeiro Juíz de Direito, o Dr. João Chacon. Lembrando os nomes do PE. João Sampaio, missionário jesuíta do século XVIII, de Félix de Lima, de Severino da Fonseca e outros, rasgaram-se as ruas, praças e avenidas em plena floresta. Não havia esgoto, nem água canalizada, nem iluminação de qualquer natureza, onde o gado era abatido em plena rua à carabina e as porções não aproveitadas, abandonadas no próprio local, onde monte de lixo e de todos os produtos da vida vegetativa eram atirados às vielas esburacadas ou apoiados às paredes das habitações, onde pântanos perigosos proporcionavam aluviões de anofelinos a espalhar a morte por todo o povoado.
Marco Divisório em Santo Antônio (fonte: Manuel Português)
Santo Antônio foi elevado a município em 1908, mas só em 1912 deu-se a instalação; eis que sob a liderança do primeiro prefeito municipal, Dr. Joaquim Augusto Tanajura, tenente médico baiano da Força Policial, que acompanhara como médico a Comissão Rondon de 1909. Em Santo Antônio a vida tornava-se mais humana: já havia iluminação elétrica, cogitava-se a instalação de uma biblioteca, enquanto “O Bilontra” (tipo de jornal mural) colado nos muros substituía o jornal cotidiano. Logo de início abriu-se uma escola e planejava-se importante estrada de rodagem, embora pequena. No entorno da localidade, continuava a presença dos índios.
O autor de “Desbravadores” às págs. 215 e seguinte do primeiro volume, assim descreve Santo Antônio:
“Gente de todo mundo acabava de chegar – fazia anos! – à margem da primeira cachoeira inferior do rio Madeira. Brasileiros vindos de quase todos os pontos do país, ingleses, italianos, espanhóis, peruanos, bolivianos e portugueses”
Santo Antônio do Alto Madeira- 1921
A região era ocupada por uma população ondulante, instável, de aventureiros aliciados para um trabalho que oferecia todas as probabilidades da desventura. Fracassados na vida, audaciosos e viciados, aumentavam ao sabor das condições econômicas. O dia escoava-se ao ritmo do trabalho; a noite, ao ritmo da algazarra, da música, dos gritos e discussões em uma dúzia de línguas nos botequins, casas de jogo e de tolerância. Estas, eram numerosas: as francesas chegadas de Paris alinhavam-se com as brasileiras, as espanholas e bolivianas, de permeio aos homossexuais e pederastas.
Força Estadual na Vila de Santo Antônio (Fonte: Manuel Português)
Bebia-se champanhe, cerveja e aguardente. Comia-se peixes do rio Madeira e as mais finas conservas nacionais e estrangeiras. As brigas eram freqüentes, os crimes comuns, lê-se no 1° Livro de Ofícios do Arquivo do município de Santo Antônio: uma verdadeira “currutela” (pequena vila com comércio), dir-se-ia hoje em termos de garimpo.
Assim é que, não obstante a passagem benéfica de Oswaldo Cruz ( o município aduirira dez mil cápsulas de quinino), o Livro de Óbitos evidencia que era alto o índice de mortes, sobretudo crianças, causados por Beribéri e o impaludismo.
O autor de “Desbravadores” lembra ainda que, contra tantas adversidades, vingara a idéia da edificação de uma capela, “Não fora convicção, se-lo-ia ao menos para querer imitar as outras terras civilizadas”.
Em todo caso, em meio aquela multidão de homens sem nenhuma instabilidade, havia uns poucos bem intencionados. Em 1919 era Prefeito o Dr. José Adolfo de Lima, tendo como vereadores de sua Câmara Municipal, Salustiano Alves Correia (presidente), João Ranulto Brasil, João L. de Souto, Boaventura S Rolim, Manoel S. dos Santos, José F. da Conceição e Raul Arantes Meira.
Hoje, a localidade de Santo Antônio é sombra de um passado movimentado. História esquecida e abandonada por gerações, onde poucos sonhadores ainda lutam por seu resgate, revitalização e preservação do patrimônio histórico. Se no distante passado, os gestores e políticos de época buscavam solucionar os problemas da localidade com o intuito de seu desenvolvimento, hoje, a geração política nem se constrange em negar o passado, fechando os olhos para a identidade local, lugar que foi o primeiro núcleo habitacional a margem direita do Rio Madeira, marco de ocupação da região de Porto Velho, vergonhosamente abandonado no presente, foi glória no passado, talvez esquecida no futuro.

Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098

domingo, 29 de junho de 2014

GETÚLIO VARGAS E A ÚLTIMA CARTADA - 60 anos da Morte do Estadista


Vivo ou morto, Getúlio é o grande mito político da nossa história recente. Seu suicídio foi um golpe de mestre. Imobilizando os inimigos, ele possibilitou a manutenção da ordem democrática e a eleição de Juscelino, em 1955.
O suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido há sessenta  anos, foi um acontecimento trágico e único na História do Brasil, razão pela qual vem sendo recordado e reforçado por múltiplos mecanismos da memória. Não fosse isso suficiente, o ano de 2014 também assinala os quarenta anos do golpe civil-militar de 1964, outro evento traumático da política nacional, que guarda com o suicídio um laço fundamental. Não só os analistas políticos profissionais, como também grande parte da população que tem acesso a informações, sabem e repetem que o suicídio adiou por dez anos o golpe. Ou seja, se Vargas não tivesse dado um tiro no coração, a conspiração que então se armava contra ele dificilmente seria evitada.


O segundo governo Vargas (1950-54) não transcorreu com tranqüilidade, tendo o presidente sofrido, sistematicamente, a oposição da maioria da imprensa e de grande parte dos setores políticos e militares, Mas, em agosto de 1954, uma grave crise se instalara com o atentado ao jornalista Carlos Lacerda, desencadeando um impasse de graves proporções, onde se opunham um presidente eleito, gozando ainda de grande popularidade, e uma ferrenha e aguerrida oposição militar, que acusava o governo, especificamente o próprio Vargas, de estar envolvido em um “mar de lama”. Tudo isso, é bom lembrar, tendo como cenário a Guerra Fria, que alimentava o medo dos comunistas e também dos sindicalistas.


A tensão chegou a tal ponto que a renúncia do presidente foi pedida, ficando claro que, se ele não se afastasse, seria deposto mais uma vez. Foi nessas circunstâncias que Vargas se matou, num derradeiro golpe político que visava reverter uma situação que vinha beneficiando os antigetulistas. Lançando sobre eles se cadáver, Vargas, como escreveu na carta-testamento, oferecia seu corpo em defesa do povo e da pátria, saindo da vida para entrar na história. Nunca se saberá o que teria realmente acontecido no Brasil caso Vargas não tivesse se matado.


Mas é certo que sua morte transformou o equilíbrio das forças políticas vigente, bloqueando o golpe que armava e possibilitando a manutenção da legalidade constitucional, com a realização das eleições para presidente, em que saiu vitorioso Juscelino Kubitschek. Importa assim ressaltar o “sucesso” imediato do suicídio para a manutenção da democracia no Brasil. Trata-se de uma excelente janela para adentrar à chamada Era Vargas (1930-45), e aí, particularmente, para se pensar nas razões que tornam possível a construção da figura desse presidente como um mito da política nacional.

Quando Vargas se matou, não era mais o chefe de um governo ditatorial, como fora durante o Estado Novo (1937-45), mas um presidente eleito pelo voto popular, em disputado pleito ocorrido em 1950. Sua vitória foi uma surpresa para os opositores, reunidos na União Democrática Nacional, a UDN. Estes acreditavam que um ex-ditador não poderia ser eleito, e, se o fosse, não poderia tomar posse. Tanto que questionaram as eleições e a consideraram, como frequentemente os derrotados fazem, uma prova cabal de que o povo brasileiro não sabia votar. O Povo, contudo, como evidencia a marchinha campeã do carnaval de 1951, “ Retrato do Velho” (“Bota o retrato do Velho outra vez, Bota no mesmo lugar, O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”. De Haroldo Barbosa Pinto), parecia não se haver enganado quando votou em Vargas para presidente. Foi esse mesmo povo, aliás, que saiu às ruas de várias cidades do país, em agosto de 1954, chorando e gritando, provocando incêndios e quebra-quebras, tudo para deixar claro seu apreço ao presidente morto e, mais uma vez, para assustar a UDN e os antigetulistas. Esses tiveram de fugir ou se recolher, reconhecendo a força do último golpe de Vargas: um golpe de mestre.
           
Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098

sábado, 21 de junho de 2014

Expedição Rondon-Roosevelt: 100 anos de uma aventura na Amazônia


Margem do antigo Rio da Dúvida renomeado por Rondon como Rio Roosevelt - 1914

Parte 1 – Estratégia

São muitos os questionamentos sobre tamanha façanha de um ex-presidente americano que se aventurou na região do atual Estado de Rondônia. Um homem habituado a tomar decisões que afetavam a vida de muitos compatriotas quando ainda era presidente da nação americana. Agora, em meio a grande floresta Amazônica, tal personagem teria sido reduzido a um encarcerado de uma prisão inglória com animais selvagens, povos indígenas, insetos e trilhas desconhecidas. As decisões que anteriormente eram tomadas na Casa Branca quando ainda era presidente do Estados Unidos, e afetavam diretamente o mundo através do Imperialismo Americano, agora definiriam a sobrevivência de um aventureiro que um dia fora poderoso, e na floresta será um simples mortal diante das surpresas que um ambiente selvagem e desconhecido lhe reservava.

Ex-presidente americano Roosevelt

Para muitos, Marechal Rondon teria sido vítima de uma ordenação e obrigação de acompanhar o Presidente Theodore Rooselvet na sua empreitada no vasto desconhecido da Amazônia. Com muita desconfiança e desconforto Cândido Rondon segue na missão de apresentar o “Eldorado Verde” ao celebre visitante. Desconfiança oportuna já que Rondon não se alegrava nos interesses e cobiça internacional pela riqueza da nossa floresta, ainda sendo o visitante o autor da política imperialista americana conhecida de Big Stick.
Enfim missão dada para Rondon será sempre claro missão cumprida. O grande personagem dos rincões da Amazônia será o guia do audacioso homem norte-americano que dizia não temer a floresta. Mal sabia ele as surpresas que lhe eram reservadas.

Análise dos mapas por Roosevelt devidamente protegido dos mosquitos
Paralelamente a organização da Expedição Rondon-Roosevelt a construção das Linhas Telegráficas na Amazônia iniciadas em 1907 pelo próprio Marechal Rondon, eram questionadas por autoridades e políticos brasileiros, devido seu alto custo. Somado a isso, Rondon tinha noção de que a construção da linha telegráfica provavelmente acabaria por estancar durante os setes meses e meio em que ele integraria a expedição. Justificaria em parte sua decisão mencionando a publicidade que sua participação nas atividades de Roosevelt traria para o projeto telegráfico. Acertara na sua posição, pois os jornais do Rio de Janeiro fizeram grande alarde em torno da expedição e das obras do telégrafo de Rondon por meses a fio. Além disso, a imprensa dera cobertura integral às conferências sobre a viagem que Theodore Roosevelt proferiu em junho de 1914 na Inglaterra, e também à publicação do relato de Roosevelt sobre a expedição.

Acampamento das Linhas Telegráficas - Rondon
Mas só a publicidade não concluiria a construção da linha. Por isso, Rondon voltou imediatamente ao noroeste do Mato Grosso (Rondônia) para comandar a arrancada final das obras.
Desde outubro de 1913, viajara até o Rio de Janeiro, voltara para Mato Grosso e conduzira a expedição de Roosevelt ao rio da Dúvida. Agora, voltava para terminar as obras, com o pensamento fixo na data da inauguração, que fora adiada para 1° de janeiro de 1915. Enquanto Theodore Roosevelt descansava em seu camarote no transatlântico, e depois em sua casa em Oyster Bay, Nova York, Cândido Mariano da Silva Rondon voltava a embrenhar-se na bacia amazônica para iniciar a fase mais difícil e crucial da construção do telégrafo.
Durante a Expedição Roosevelt era o comandante titular, e Rondon não tinha escolha a não ser respeitar a vontade do americano. Assim, recordaria mais tarde, respondeu a Roosevelt que estavam ali para acompanhá-lo e guiá-lo pela selva e que executariam os serviços de acordo com sua vontade. E concluiria que, por essa razão, o levantamento prosseguiu sem que pudessem obter todos os benefícios dos recursos técnicos que dispunham e com os quais haviam realizado um trabalho suficientemente exato e correto.
Roosevelt e Rondon

Ainda no Rio de Janeiro onde o presidente americano desembarcara, Rondon propôs ao Roosevelt a exploração do Rio da Dúvida em vez de uma simples caçada no noroeste brasileiro, e Theodore aceitou a proposta com entusiasmo. Rondon tinha quase certeza de que esse rio desaguava no Madeira, mas seu curso ao norte nunca fora mapeado ou explorado, o que explica seu nome. Para chegar ao rio, a expedição primeiro partiria do posto de abastecimento da comissão em Tapirapuã até a linha telegráfica em Utiariti. Em seguida, os homens acompanhariam a linha telegráfica por aproximadamente 250 quilômetros até as cabeceiras do Rio da Dúvida. Esse novo e decididamente itinerário preocupou o ministro das Relações exteriores, Muller, que alertou Roosevelt sobre os perigos. Afinal, durante a jornada o presidente completaria 55 anos.

Acampamento da Expedição - 1914

Durante a aventura na Amazônia de Rondônia, os insetos e as doenças estarreceram os americanos. Nuvens de praga exasperavam os homens. Borrachudos, abelhas Lambe-suor e maribondos picavam-nos por cima dos chapéus e das luvas. Carrapatos cobriam-lhes as roupas. Formigões de três centímetros de comprimento tinham uma ferroada “parecida com a de um escorpião pequeno”, Roosevelt reclamou.

Roosevelte em Conferência Científica na Inglaterra - 1914
Em 26 de abril de 1914 o exausto grupo aproximou-se da confluência dos rios Aripuanã e Dúvida. Rondon rebatizara este último com o nome de Roosevelt. Ali as bandeiras do Brasil e dos Estados Unidos tremularam no alto do acampamento comandado pelo tenente Pirineus de Sousa. Em 59 dias, os membros da expedição haviam percorrido cerca de 640 quilômetros. Tolhidos pelas corredeiras, haviam levado 48 dias para avançar pelos primeiros 270 quilômetros. Agora, bebiam e banqueteavam com a comida que o grupo auxiliar do tenente Pirineus lhes trouxera.


Em 30 de abril membros da expedição foram a Manaus via Rio Madeira, e ali médicos brasileiros providenciaram tratamento para uma das pernas ferida de Roosevelt.
Rondon voltou ao Rio de Janeiro no início de 1915, foi aclamado por seus esforços tanto na expedição Rondon-Roosevelt e na construção das Linhas Telegráficas e, para platéias lotadas, fez conferências empolgantes sobre as heróicas realizações da comissão.
    

Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87

Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098

terça-feira, 27 de maio de 2014

Santo Antônio do Rio Madeira, a história esquecida!

Navio em Santo Antônio do Alto Madeira
A história da localidade de Santo Antônio é mais antiga do que a cidade de Porto Velho. O lugar hoje é apenas um bairro anexado a nossa capital de Rondônia, mas, no passado foi importante região de concentração de toda borracha extraída dos Rios Beni, Mamoré, Guaporé e claro o Rio Madeira. Antes mesmo de ser no século XIX ponto de atracamento dos navios do tipo gaiola, foi também importante missão jesuítica liderada pelo padre João Sampaio por volta do século XVIII. Marechal Rondon foi um dos principais incentivadores para a criação daquele que seria até então um dos mais distantes municípios do Mato Grosso se usarmos como referencia a capital Cuiabá. 
Santo Antônio - 1915
Remonta a história de Santo Antônio aos primeiros anseios para a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, quando ali chegaram os Engenheiros da  Public Works Constrution Company, seguindo-se com a da P&T. Collins, cuja dramática história foi contada com minudências de detalhes por Kurt Falkenberg, romance-história “ As botas do diabo”.

Localidade de Santo Antônio vista do Rio Madeira
Era o Município de Santo Antônio do Rio Madeira de uma enorme extensão. Fazia limites com o município de Humaitá no Amazonas nas proximidades ou no igarapé Bate-Estacas e com o de Mato Grosso (Vila Bela), antiga capital da Província e onde nos tempos coloniais teve residência os Capitães Generais que desbravaram aquela região Luiz de Cárceres Pereira e Mello, o engenheiro Domingos Sambucetti, construtor do Forte Príncipe da Beira e Ricardo Franco de Almeida Serra que está sepultado, nas proximidades do rio Pacaás Novos da povoação de Esperidião Marques (Guajará Mirim), onde terminavam os limites de Santo Antônio do Rio Madeira.

município de Santo Antônio
Os primeiros desembarques de pessoal da empreiteira May Jakyll and Randolph, ocorreram na Vila de Santo Antônio do Rio Madeira, local logo em seguida verificado inadequado para o desembarque e armazenamento do material pesado para a construção da Madeira Mamoré.
É portanto, Santo Antônio do Rio Madeira o mais antigo município incorporado ao Território, foi palco de muitas alegrias e muitas tragédias ocorridas quando a borracha era chamada de ouro negro e na epopéia da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré.

Sobrado de Santo Antônio do Rio Madeira
Duas grandes firmas dominavam os negócios que se realizavam na pequena localidade, nas duas últimas décadas do Século XIX: Suarez Hermanos, que tinha ramificações pela área que constituiu o Território do Acre e Chachuela Esperanza, à margem do Rio Beni, no Departamento de Pando na parte oriental da Bolívia e Jacob Essabbá, que tinha matriz em Manaus quando capital da Província do Amazonas.

Autoridades e comerciantes em Santo Antônio (fonte- Manoel)
Teve grande movimento quando os negócios ali se realizavam em moeda inglesa – libra – esterlina – intensificando-se com maior volume quando foram iniciados os trabalhos da construção da ferrovia até a implantação do município de Porto Velho. Nos anos de 1906 até 1908 quando Porto Velho ainda não oferecia as mínimas oportunidades de lazer, então era para Santo Antônio que iam os trabalhadores da ferrovia buscar diversão. Distante menos de 7 quilômetros do local do trabalho, onde eram proibidos bebidas alcoólicas, jogo e prostituição, com esses motivos Santo Antônio naqueles três anos a sua época mais promissora.
Como atestado dessa faustosa época de vida o município de Santo Antônio, existe um relatório da Delegacia Fiscal do Norte de Mato Grosso referente ao movimento administrativo e financeiro dos anos de 1908 a 1914 do qual extraímos alguns dados. Desse relatório constatamos a existência de uma escola no período denominada Escola Pública do Município de Santo Antônio do rio Madeira, inaugurada em março de 1913, com 67 alunos, 36 do sexo masculino e 32 do sexo feminino, dirigida pela professora Constanza Pestana Pires. A mesma escola foi criada ao tempo em quem era Prefeito daquele município Joaquim Tanajura, renomado médico da região que no passado havia participado da Comissão Rondon.

Santo Antônio do Rio Madeira 
Como já disse, Santo Antônio, hoje é apenas um bairro de Porto Velho, onde ainda temos alguns resquícios de sua história representada fisicamente pela Capela de Santo Antônio (1913), o Obelisco do Centenário da Independência do Brasil (1922) e o Sobrado de Santo Antônio (Século XIX). O lugar é na maior parte das vezes lembrado em 13 de junho de cada ano, quando ali se festeja, no entorno da pequena Capela o padroeiro do lugar, situado a margem direita do Rio madeira, próximo ao lugar onde existia uma cachoeira do mesmo nome, Santo Antônio.
Nada mais resta da época faustosa que ali se viveu, se não túmulos com inscrições apagadas sobre lápides de mármore esmaecidos.    


Aleks Palitot

Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87

Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Os Segredos de Nasca

 
Geoglifo de Nazca - Desenho do Condor
Eram os Deuses Astronautas?  Esse é um título de um livro escrito em 1968 pelo suíço Erich von Däniken, em que o autor teoriza a possibilidade das antigas civilizações terrestres serem resultados de alienígenas (ou astronautas). Von Däniken apresentou como provas ligações entre as colossais pirâmides egípcias e os incas, as quilométricas linhas de Nasca e os monumentos da Ilha de Páscoa.
Pude ver de perto a monumental região de Nasca, e constatei a beleza sem igual de um deserto exuberante, de uma cultura milenar e de uma intrigante história da Civilização Nazca.
Aleks Palitot no Deserto de Nazca - 2014
O país Peru sempre é lembrado pela famosa cidade sagrada de Machu Picchu. E não poderia ser diferente, Machu Picchu é incrível. Mas, os Andes, são marcados pela presença de muitas outras civilizações, que ao longo do tempo e da história foram conquistadas pelo Império Inca, e sendo incorporadas aos costumes e hábitos dos “Filhos do Sol”. Os Nazcas foram mais uma dessas civilizações dominada pelos Incas e assim, parte da sua cultura foi sendo abandonada.
Mas, como dizia um general romano: “ O que fazemos em vida, ecoa na eternidade”, e assim, as grandes obras e monumentos da civilização Nazca permanece preservada, graças ao empenho desse povo no passado, e atualmente, devido as políticas de preservação do patrimônio histórico pelo governo peruano.
Pirâmide de Cauhachi no Deserto de Nazca - 2014
A eternidade em questão está relacionada a tantos sítios arqueológicos que existem naquele deserto. São mais de 150 geoglifos,  desenhados em um deserto de pedras e areia, que mesmo com as tempestades de areia que a população local denomina “Paracas”, chuva de areia, os desenhos resistem, como tatuagens do tempo, feitos para durar, para reverenciar os deuses. Além dos desenhos em forma de macaco, colibri, condor, baleia e outros mais, existem cerca de mais de 7 mil linhas, que seguem pelo deserto, em um caminho que parece não ter fim.
Aquedutos de Nazca no Peru - 2014
Mas que resposta se teria para esses enormes desenhos que somente são perceptíveis em suas formas, visto de cima? Existem muitas versões, e é isso que alimenta ainda mais o indecifrável enigma de Nazca. A versão mais considerada é a da pesquisadora alemã Maria Raiche, que teve boa parte de sua vida, dedicada aos estudos das linhas de Nazca, e sua conclusão é que o conjunto de desenhos e figuras, trata-se de um enorme calendário astronômico dedicado aos deuses.
Pôr do Sol no Deserto de Nazca Peru - 2014
Além das linhas, Nazca possui outros sítios históricos e arqueológicos importantes, tive o privilégio que conhecê-los, e ficar ainda mais surpreendido com a força e obstinação da Civilização Nazca.
Em Nasca você pode conhecer o Cemitério de Chauchila, e entender através das múmias daquele lugar, um pouco da cultura, vida e cotidiano de um povo. Formas semelhantes dos egípcios no processo de mumificação, a crença na vida após a morte e os túmulos recheados com jóias em prata e ouro, cerâmicas e jarros com pinturas perfeitas, que infelizmente muitas das quais foram roubadas por ladrões de túmulos ou huaqueiros, como são chamados os caçadores de tesouros no Peru.
Múmia do Cemitério de Chauchilla em Nazca Peru - 2014
Em meio a um grande deserto, onde se chove apenas uma vez no ano por alguns minutos, esse povo sobreviveu e deixou um legado. E como sobreviver sem água no deserto? Os Nazcas, fizeram canais subterrâneos de água com conexão a trechos de rios que estavam a 300 quilômetros de distância, ou até mesmo buscavam recursos hídricos nos Andes nevados as 500 quilômetros, e por esses canais e aquedutos como são denominados pelos peruanos, irrigavam suas plantações e tornava possível a vida em meio a um deserto.
O mais impressionante, foi visitar a pirâmide de Cauachi, o maior centro cerimonial da América com 24 quilômetros quadrados de sítio de histórico. Uma grande pirâmide feita de tijolos no meio do deserto, que está sendo recuperada graças ao trabalho de arqueólogos italianos e o empenho do governo peruano. No passado, acredita-se que em Cacuachi, eram realizadas cerimônias de sacrifícios humanos para garantir boas colheitas e vitórias em caso de guerra. A comprovação dessa versão se deu por causa das descobertas com as escavações. Jarros antigos com resíduos de sangue e cabeças encontradas sem o corpo, em recintos restritos aos xamãs, confirmam essa hipótese.
Colinas das Linhas de Nazca - Peru - 2014
Nazca me encantou, pela sua história, mistérios e paisagem. Paisagem formada pela morfologia do espaço, pelas suas características topográficas e geográficas. Uma paisagem formada também por seus sons, suas texturas e cores. Além disso, paisagens que receberam valorações, simbologias, significações na estruturação das relações humanas, carregando conjuntos de mentalidades, mitologias. As paisagens são bens de valor inestimável aos povos por estarem na base de suas vidas.
Nazca é um exemplo de sustentabilidade, de turismo histórico e de preservação patrimonial. Mais do que apenas lembranças do passado, o patrimônio cultural é o elemento central que garante a manutenção das comunidades ao longo do tempo, transmitindo, de geração em geração, os princípios fundamentais de sua cultura. É o que nos ajuda a aprender quem somos, como nos tornamos e para onde vamos.                     
     


Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098