terça-feira, 21 de maio de 2013

Mário de Andrade, o Turista aprendiz em Porto Velho

Poucas pessoas sabem da vinda do celebre escritor modernista brasileiro a Rondônia. Mário de Andrade (São Paulo, 1893-1945), fotógrafo moderno, mas de reconhecimento tardio, que veio a Porto velho na década de 20 na busca de conhecer o Brasil do norte, e usar como inspiração para suas futuras obras, os elementos culturais amazônidas. Como esse tema é muito amplo, vou restringir-me à fotografia na primeira das duas viagens em que ele se denomina Turista Aprendiz. As expedições ocorrem a partir de 1927 quando Mário, aos 34 anos, por sua obra de poeta, ficcionista, teórico do Modernismo, cronista e crítico, já goza de certa projeção nacional. A escolha do ano de 1927 abre exceção a duas fotos de 1928-1929, dada a importância delas para esta reflexão. Alguns pesquisadores chegam a dizer, que Mário teria reescrito seu famoso personagem Macunaíma, após conhecer a vida do caboclo da Amazônia nas regiões de Rondônia e Mato Grosso.
Mário de Andrade no Rio Jaci Paraná
No arquivo do escritor, no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, na série Fotografias, entre as subséries ali organizadas, sobressai aquela que o caracteriza como um fotógrafo moderno, manejando uma Kodak de caixão, pelo que se observa no auto-retrato enquanto sombra, datado do ano-novo de 1928.
Mario de Andrade ao lado do Marco Divisório AM-MT em Sto. Antônio
A bastante tempo interessa a Mário de Andrade conhecer seu país. Com Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, o poeta francês Blaise Cendrars, Olívia Guedes Penteado, grande dama da aristocracia do café e mecenas dos modernistas, e outros amigos, participa da "viagem da descoberta do Brasil" , assim nomeada pelo crítico Alexandre Eulálio. Fundamental nos rumos do nosso nacionalismo modernista, a viagem tem, entre outros importantes resultados, o Noturno de Belo Horizonte, longo poema de Mário no qual as visões do eu lírico transfiguram caminhos do viajante que deixa, também no desenho e na crônica, flagrantes de seu percurso.
Obelisco do Centenário e Edifício Monte Líbano e ao lado Mercado Municipal
Mário de Andrade vai primeiramente ao Norte. As duas viagens que realiza como Turista Aprendiz, em 1927 e 1928-1929, são as mais demoradas e extensas de uma vida de poucas viagens. Devotadas a uma espécie de impregnação do Brasil, ambas lhe rendem diários textuais e imagéticos, estes últimos unindo legendas às fotografias. Na primeira, entre maio e princípio de agosto de 1927, ao lado de D. Olívia Penteado, na verdade, a responsável pela idéia, e de duas mocinhas, a sobrinha dela, Margarida Guedes Nogueira – Mag – e a filha da pintora Tarsila do Amaral, Dulce do Amaral Pinto – Dolur –, retroceder visita os estados do Amazonas e do Pará, chega a Porto Velho Rondônia, a Iquitos, no Peru, e à fronteira com a Bolívia. Vai e volta de vapor, com escalas nos portos principais; a bordo de embarcações típicas da região, navega os grandes rios, igapós e igarapés; toma um trem da Madeira-Mamoré, visita Jaci Paraná, Abunã, Vila Murtinho e Guajará Mirim.
Barranco do Rio Madeira
Ao regressar, o escritor e fotógrafo, ainda em 1927, lança-se em mais dois diários: o imagético-textual e o textual propriamente dito. O primeiro compõe-se de mais de 500 imagens reveladas em preto-e-branco e viragens, seguidas das respectivas legendas no verso, a lápis. Estas, em uma primeira etapa da escritura, geralmente transpõem apenas as informações colhidas in loco, mas, em uma segunda – materializada no traço mais leve –, glosam as representações e o exercício fotográfico, ao construir um texto fragmentário, multifacetado e híbrido, como todos os diários. Nele viceja tanto o registro que se propõe fidedigno como a criação literária que exerce o humor, o lirismo e a metalinguagem.
A baronesa Olívia Penteado ao lado de Major Amarantes e Dulce do Amaral Pinto, filha de Tarsília do Amaral 
Diário moderno, junto com o primeiro, aquele das sínteses esboçadas em papéis esparsos, embasa o trabalho do escritor que, em sua escrivaninha paulistana, no mesmo ano da viagem, expande um novo texto, no qual recorre a diversos tipos de relato e dialoga com o diário da viagem do naturalista Martius pela Amazônia. Tem intenção de publicá-lo como O Turista Aprendiz: (Viagem pelo Amazonas até o Peru, pelo Madeira até a Bolívia e por Marajó até dizer chega), paródia ao título do livro do avô, Leite Moraes, de 1883, Apontamentos de viagem de São Paulo á capital de Goiás, desta ao Pará, pelos rios Araguaia e Tocantins, e do Pará á Corte. Considerações administrativas e políticas. Dessa versão de 1927, restaram parcelas aproveitadas na versão final em datiloscrito, precedida do prefácio de 30 de dezembro de 1943. 
Ruínas da antiga Catedral em 1927 onde hoje esta o Palácio do Governo do Estado de RO 
Na região de Rondônia, Mário viveu o cotidiano do homem da floresta, perceptível em algumas de suas fotos. Sua criatividade é representada com engenho e arte, pois ele propõe a função documental da fotografia ao se voltar para aspectos da geografia física da região, para o homem e a cultura material. Deste modo, a paisagem – a terra, os rios, a vegetação –, a população de brancos, mestiços e indígenas, homens, mulheres, curumins, os meios de transporte, trabalho, usos e costumes são captados pelas lentes de sua câmera.
Centro comercial de Abunã. Obelisco do Centenário - 1927
O legado histórico para Rondônia, foi deixado através de fotos não conhecidas, como pro exemplo das ruínas da antiga Catedral em 1928, situada anteriormente onde é atualmente o Palácio do Governo de Rondônia. Além de fotografias tiradas ao longo do percurso da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Fotos como em Jaci Paraná, Santo Antônio no Marco Divisório, em Abunã no Obelisco Centenário e em Vila Murtinho.
Pequena procissão em alusão a  padroeira de Porto Velho Maria Auxiliadora  
Outras fotos reveladoras, são do Edifício Monte Líbano e Obelisco Centenário no centro de Porto Velho, além de uma foto charmosa de uma pequena procissão de Nossa Senhora Auxiliadora em frente ao Colégio Barão dos Solimões.
Galpões da Estrada de Ferro em Abunã - 1927
Poucas pessoas eram conhecedoras da visita a Mario de Andrade a Porto Velho, e na tal, ele deixa claro em seu diário, que apreciou bastante a estada por aqui. Muitas pessoas da nossa pacata cidade correram para o pátio da ferrovia, quando ficaram sabendo que o famoso escritor modernista se encontrava em um dos vagões,... ”o que eu vim fazer aqui!...Qual a razão de todos esses mortos internacionais que renascem na bulha da locomotiva e vêm com seus olhinhos de fraca me espiar pelas janelinhas do vagão ?...” Mario de Andrade, O turista aprendiz.
Casa de um seringueiro no Rio Madeira - 1927
Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098 

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Candelária! A luz no fim do túnel

Médicos e enfermeiras no Hospital da Candelária em Porto Velho
Que a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré foi uma epopéia na Amazônia, todo mundo já sabe. Mas poucos se atentam aos detalhes que fizeram diferença para que a construção da famosa “Ferrovia do Diabo” pudesse finalmente ser concluída, com o propósito de assim escoar a produção de borracha e quinino nos vales dos rios Guaporé, Madeira, Beni e Mamoré.
No período em que Percival Farquhar, empresário norte-americano se envolveu em tal empreitada, foi construído uma das melhores estruturas hospitalares da época no Brasil, com o intuito de minimizar o impacto que as doenças do mundo amazônico provocavam constantemente na vida dos trabalhadores da ferrovia.

Farmácia do Hospital
Pode-se obter uma idéia da soma do serviço feito no Hospital da Candelária, do fato de terem sido admitidas 30.430 pessoas no hospital, durante os quatros anos: de 1° de janeiro de 1908, até 31 de dezembro de 1911. Tendo seis grandes enfermarias (250 camas) e uma sala cirúrgica, com as mais modernas instalações, fornecendo o início local para cirurgia, dentro de um raio de muitas centenas de quilômetros. Existiam também laboratórios para exame de sangue e espécies patológicas. Durante estes quatro anos, a nenhuma pessoa, homem, mulher ou criança, de qualquer origem atacadas de qualquer moléstia, foi recusada a entrada no hospital. Muitas centenas de não empregados receberam do mesmo hospital tratamento médico e cirúrgico e em nenhum caso foi cobrado qualquer pagamento pelos serviços. Era mantida também uma farmácia, que distribuía livremente todos os remédios necessários para os doentes.


As doenças Amazônicas e os Trabalhadores

Nesse momento da história, revela-se um dos aspectos mais tristes ,embora práticos, da construção da ferrovia, pois a empresa concluiu que, se mantivesse o mesmo sistema de trabalho empregado em outras obras, funcionários fixos, iria falir completamente como todas as outras empreitas, pois a grande maioria dos homens que chegavam cheios de saúde à região, eram, após 3 ou 4 meses de trabalho, pessoas praticamente incapacitadas para o trabalho, devido às doenças que assolavam a área.

Assim, foi promovido um verdadeiro "rodízio" humano naquela região, onde mensalmente levas e mais levas de trabalhadores sãos e em pleno vigor físico eram trazidos para substituir os mortos, doentes e incapacitados, que eram então demitidos. Resolvidos a tocar as obras ininterruptamente através desse expediente, a Companhia estabeleceu representantes em diversos países da Europa, África e América Central, que ofereciam grandes perspectivas de lucros para aqueles que se dispusesse a cumprir um contrato de trabalho "em uma região paradisíaca na floresta tropical Brasileira", findo o qual o trabalhador seria livre para tornar-se agricultor ou participar também da cornucópia de lucros e fortunas que prometia ser a região cortada pela Estrada de Ferro Madeira Mamoré.
Parte da estrutura do Hospital da Candelária
Durante os 6 anos que durou a construção dessa ferrovia, cerca de 22.000 homens dos mais diversos países e regiões do mundo acreditaram nesse sonho e entregaram suas energias para contribuir para a construção dessa ferrovia. Quantos morreram? Quantos ficaram inutilizados e terminaram seus dias mendigando nas cidades do vale Amazônico? Quantos prosperaram? são perguntas sem respostas, como muitas que até cercam a construção dessa estrada de ferro.
Na média, cerca de 400 a 500 funcionários novos recrutados pela Companhia no mundo inteiro chegavam mensalmente aos canteiros de obras, e imediatamente começavam a substituir os doentes e incapacitados, pois à medida em que as turmas avançavam no levantamento da linha, derrubada das matas e construção da via permanente, iam afastando-se cada vez mais da Região de Santo Antônio, onde pelo menos já havia um mínimo de estrutura sanitária e embrenhando-se no coração da selva amazônica, enfrentando todo o tipo de doenças e enfermidades nessa região desconhecida, inexplorada e reconhecidamente uma das mais insalubres do planeta, devido aos milhares de pântanos e charcos que servem de viveiro para milhões de mosquitos e insetos transmissores das mais diversas moléstias.
E assim, o pessoal da ferrovia pagava seu pesado tributo à região, onde a malária grassava entre os trabalhadores, os quais muitas vezes, ao cair doentes em locais mais distantes do ponto inicial da ferrovia, acabavam morrendo à míngua sem quaisquer cuidados. Mesmo os médicos sofriam de doenças e nessas horas, eram os engenheiros e pessoal mais graduado escalados para fazer esse atendimento. Foi a construção dessa ferrovia recheada de episódios de heroísmo e dedicação de homens que, reunidos nos mais diversos locais do mundo deram, sob o comando de um punhado de americanos decididos e corajosos, mostras de um valor e solidariedade humanos impares, a ponto de muitos médicos e engenheiros acabaram encontrando a morte nesse trabalho de atender aos doentes.
E o que diziam os depoimentos na época? O de sempre: "Chove diariamente, os mosquitos perturbam dia e noite, não existe um único lugar seco nessa região, o chão é um barro só, o impaludismo e a malária grassam nos acampamentos e os homens morrem muito mais rapidamente do que antes....." Um relatório de um dos médicos, o Dr. Lovelace, diz que 95% da população de Porto Velho estava atacada de malária e que, de acordo com seus estudos, algumas observações impressionantes haviam sido feitas, como por exemplo o fato de que com certeza, após 30 dias de estada em Porto Velho, uma pessoa já teria contraído a malária. Nessa época, a média de permanência de um funcionário na região era por volta de 3 meses e se era verdade que mensalmente chegavam vapores carregados de novos trabalhadores ansiosos por arriscarem a sorte na região, também é verdade que esses mesmos vapores partiam lotados com as mesmas pessoas que haviam chegado 3, 4 meses antes, apavorados com a pestilência que imperava na região. Quantas dessas pessoas doentes foram morrer na viagem ou em seus países de origem? Jamais saberemos.
Entretanto, os miseráveis que conseguiam chegar a Manaus ou Belém, passando a esmolar nessas cidades, foram objeto de muitas reportagens criticando essa situação por parte da imprensa, com repercussão mundial, a ponto de países como a Alemanha, por exemplo, proibirem a viagem de seus cidadãos com destino a essa empreita.
E assim, entramos pelo ano de 1909, onde em alguns meses chegaram a haver mais de 2.800 trabalhadores na ferrovia, das nacionalidades mais diversas que se possa imaginar, como chineses, índios Norte-Americanos, Húngaros, Belgas, Irlandeses, Russos, Árabes e muitos outros, fazendo-nos perceber que o trabalho de recrutamento de sangue novo dava-se em nível mundial. Realmente, como disse o Ministro da Viação e Obras Públicas em trecho de sua apresentação ao Presidente da República, em 1910: "Raras vezes terá sido construída uma estrada nas condições desta...."
Aos poucos , o engenho e a determinação dos Norte-Americanos foi transformando Porto Velho em uma cidade de razoável porte, sendo providenciados sistemas de saneamento e tratamento de água, sistemas de telefonia e até iluminação pública com eletricidade. Instalações tais como padarias, fábricas de gelo, cinema, fábricas de biscoito, matadouro e tipografia.
O Hospital da Candelária sem sombra de dúvida veio para resolver um problema grave com relação à saúde dos trabalhadores que, antes morriam como moscas, de febre amarela, malária, beri-beri e pneumonia. A luz do fim do túnel, a Candelária, era composta por 15 edificações na sua estrutura, e era composta por médicos e pesquisadores americanos. Até Oswaldo Cruz, grande cientista, médico e sanitarista; não poupou elogios em seus relatórios, sobre a infra-estrutura do Hospital da Candelária, que se tornou uma referencia no Brasil com relação a doenças tropicais, que passou a dar um ar de tranqüilidade para aqueles que viviam a aventura de desbravar a Amazônia.



Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098