segunda-feira, 27 de julho de 2015

Um Marquês para a Amazônia

Marquês de Pombal - Portugal
ADMINISTRAÇÃO DE POMBAL

Na segunda metade do século XVIII, com a ascensão de D. José I ao trono português, ocorreram várias transformações políticas e econômicas em Portugal, que alteraram significativamente o quadro das relações coloniais.
O ministro Sebastião José de Carvalho e Melo – o marquês de Pombal – influenciado pelas ideias iluministas da Europa do século XVIII, pretendia libertar Portugal da dependência com a Inglaterra, recuperando a economia nacional e modernizando as instituições política, econômica e ideológica, que, na maioria, estavam sob o jugo da Igreja.
Em 1750, por meio do Tratado de Madri, a Espanha ficou com a posse da região do Rio da Prata, recuperando a Colônia de Sacramento, e a Portugal coube a região dos Sete Povos das Missões e a Amazônia.

A política centralizadora adotada pelo rei D. José, tendo à frente o marquês de Pombal, visava, sobretudo, a Amazônia, já que a Coroa portuguesa pretendia consolidar a posse dessa região. Para isso, determinou a criação da Companhia de Comércio do Grão- Pará e Maranhão, que passava a ter monopólio das drogas do sertão, até então nas mãos dos missionários. Outro ponto de atrito foi a questão indígena, regulamentada com a publicação do Diretório dos Índios. Essa legislação, promulgada em 1758, impunha normas que visavam acabar com as diferenças culturais desses povos. Era uma tentativa de impor a língua e a cultura portuguesa e acabar de vez com os leigos, nomeados pelo governador.
Para os indígenas aldeados, essa mudança foi catastrófica, pois houve aumento da exploração da mão-de-obra, suas terras foram reduzidas e a identidade étnica dos grupos foi abalada. Para não conservar as antigas culturas, as aldeias receberam nomes de cidades portuguesas, como Satarém, Barcelos, Bragança, Ourém, Alenquer. As línguas indígenas foram proibidas e o português tornou-se língua oficial. A língua geral – nheengatu, muito usada na Amazônia e no Sul do Brasil – foi proibida e considerada língua de selvagens e de povos atrasados.


Em 1759, Pombal expulsou os jesuítas das colônias portuguesas, especialmente da Amazônia, argumentando que a Companhia de Jesus havia se tornado tão poderosa na região quanto o próprio Estado português, assumindo funções mais políticas do que religiosas.
Em 1798, o diretório foi abolido em decorrência da corrupção e dos abusos cometidos pelas autoridades.
Dentre as inúmeras medidas adotadas pelo marquês de Pombal, deve-se considerar, em função de sua importância para a região, a criação do Estado do Grão-Pará e Maranhão, em 31 de julho de 1751. Dentre seus objetivos, o novo Estado, com sede em Belém, permitiria, em função da posição geográfica de sua capital, demarcar com mais rapidez e segurança as fronteiras portuguesas, visando efetivar o que havia sido combinado, em 1750, com o Tratado de Madri.


Para colocar em prática as medidas tomadas por Pombal, seu meio-irmão, general Francisco Xavier de Mendonça Furtado, foi encarregado de governar o recém criado Estado, o que fez entre os anos de 1751 a 1759, deixando vários escritos, dentre os quais se podem extrair registros de aspectos da realidade dos índios e do Estado do Grão-Pará e Maranhão na época.
Apesar da transferência da capital, com a criação do novo Estado, para Belém, restava ainda uma vastíssima área a oeste para se controlar e prover a defesa, localizada no chamado Sertão do Amazonas. Diante disso, Mendonça Furtado propôs à Coroa portuguesa a criação de um governo nessa região, o que foi aceito.

Há que se destacar ainda, como parte da política pombalina para defesa e ocupação da Amazônia, a construção do Forte Príncipe da Beira, em Costa Marque no Guaporé e a tentativa de colonização do Amapá, com a vinda de imigrantes de Mazagão, Marrocos , na África, para Nova Mazagão e de açorianos para Macapá.  
      

A OCUPAÇÃO DO VALE DO GUAPORÉ

      Ainda no século XVI representantes da coroa portuguesa se aventuraram pelas brenhas amazônicas, tendo, passado pelos vales do Madeira-Guaporé-Mamoré. Na realidade se pensava em utilizar essa região como ponte de passagem e ligação entre as colônias do Sul e as do extremo Norte. Uma ligação extremamente arriscada e difícil de ser realizada.
      Um dos primeiros passos de Portugal para assegurar sua posse sobre a região do Guaporé foi a ocupação desses vales, de onde extraia ouro e as drogas do sertão. Essa ocupação se deu pela ação dos bandeirantes que, ao mesmo tempo, explorava e ocupava. Além disso, a ocupação se realizou pela presença militar o que pode ser comprovado pelas inúmeras construções fortificadas.
       Era necessária, entretanto uma ocupação estável, para assegurar a posse. Somente as expedições aprisionando indígenas e colhendo as drogas do sertão não assegurava a presença colonizadora e definitiva. Ale disso, não cessava a constância dos conflitos, tanto com os índios como com os castelhanos, que também estavam ocupando a região de oeste para leste.
       Foi com vistas nessa presença constante que, ainda antes da assinatura do Tratado de Madri, d. Antônio Rolim de Moura recebeu a incumbência de povoar a região do Guaporé. Nessa ocasião foi criada a capitania de Mato Grosso e Rolim de Moura coordenou a estruturação da capital daquela província, às margens do Guaporé. E cidade, Vila Bela da Santíssima Trindade, além de assegurar a presença portuguesa, seria um ponto de coleta de impostos sobre a mineração.
       Em 1734, quando da descoberta de ouro nas proximidades do Guaporé a produção do Mato Grosso já estava em declínio. Para melhor explorar os novos locais o governo da capitania de São Paulo promoveu uma "guerra justa" conta os índios a fim de conseguir escravos para a mineração. Essa empreitada, como outras tantas, dizimou alguns grupos indígenas.
       Vale a pena destacar que nessa época a tecnologia de mineração era muito rudimentar o que fazia cada faisqueira ou lavra possuir uma vida útil muito curta, o que, por sua vez, provocava um processo migratório constante, em busca de novos veios auríferos. Também é preciso destacar que os trabalhos nas lavras e faisqueiras era extremamente insalubre. Mesmo assim os "campos d'oro" como era conhecido o vale do Guaporé sobreviveu, em virtude da abundância de minério; mas não prosperou, pois a abundância era aparente. Não se ergueram cidades ao redor da febre do ouro guaporeano. E a febre passou logo. Entretanto no final do século XVII o vale do Guaporé foi sendo abandonado: pelos mineradores que procuravam regiões mais ricas, pela falta de investimento, visto ser improdutiva e também pelos governadores Gerais que passavam a maior parte de seu tempo em Cuiabá. No vale permaneciam apenas os negros libertos, entregues à própria sorte. E com isso estava sendo decretada a sorte da região: o abandono.
        Nesses anos dos séculos XVII e XVIII, a agricultura era apenas de subsistência. Raramente se explorava algum excedente e quando havia o mesmo era levado para o Pará ou contrabandeado para a região castelhana, do outro lado do rio. A terra era fértil, mas a extração de ouro era mais promissora e de rentabilidade maior e mais imediata. Mas a fertilidade da terra era de curta duração...
        O mesmo vale para a Pecuária. Havia demanda por carne, mas não havia interesse em criar concorrentes para os produtores do sul. As poucas cabeças de gado que entrou na região vieram de São Paulo ou do contrabando espanhol. Havia possibilidade de se expandir os engenhos, mas nem isso prosperou. O fato é que no vale do Guaporé havia falta de gente, de comida, de gado e de minerais valiosos. Só sobrava escravidão e penúria.
         O abastecimento da região, inicialmente era feito através de caravanas paulistas. Com a descoberta da possibilidade da rota fluvial, o abastecimento passou a ser feito a partir de Belém, pelos rios Amazonas, Madeira, Mamoré, Guaporé. Mas isso só depois de 1754, quando foi franqueada a navegação. Nessa época os rios que serviam de rota para o contrabando passaram a servir de caminho de integração e rota de colhimento de impostos. Entretanto essa forma de abastecimento não barateou o custo das mercadorias. Mesmo com a criação da Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão o abastecimento continuou insuficiente, caro e mantendo o endividamento dos mineradores, ampliando o ciclo da escravidão: passavam a ser escravos, além do negro e do índio, o colono branco que dependia desses meios e vias de transporte.
         O vale do Guaporé, principalmente a partir do séc. XVIII transformou-se em uma espécie de abrigo de indesejáveis e depósito dos proscritos do sistema. Prisão sem paredes ou grades, onde os desclassificados poderiam ser úteis para o poder. Brancos endividados e criminosos viriam a ser a elite dos colonizadores do vale. Em contrapartida o conjunto de anônimos era formado por indigentes de outras áreas, prevalecendo a população negra e mestiça. Muitos romances poderiam ser escritos contando as sagas e epopéias de quantos se aventuraram, desbravaram e morreram nas brenhas amazônicas e de Rondônia.
        A política dos governadores da província do Mato Grosso permitia que brancos, mamelucos e mestiços, mais claros conseguissem o prestígio que seria impossível em outras regiões. A sociedade poderia ser assim descrita: a elite branca, formada pelos governadores e seus auxiliares, os ricos proprietários e os comerciantes; as camadas médias era formada pelos pequenos e médios comerciantes e alguns ex-escravos já donos de lavras, homens pobres e livres, mineradores e agricultores e homens que compunham as expedições dos sertanistas. Por fim os escravos negros em menor número e índios. Como a maioria da população era constituída de homens era comum e elevado o índice de violência.
         As péssimas condições sanitárias mais o ambiente natural ocasionavam um elevado número de doenças, fazendo com que a morte acompanhasse o dia-a-dia das pessoas. As principais causas de doenças eram: malária, corruções, febres catarrais, pneumonia, diarréia, tuberculose, febre amarela, tifo e cólera. E quase todas mortais, por falta de acesso a tratamento.
         Os escravos eram usados em diferentes atividades: nas faisqueiras, nas lavras e sesmarias. Nas grandes propriedades eram controlados pelos feitores – em geral de origem negra – mas entre os pequenos proprietários havia uma relação mais próxima, mas nem por isso menos sujeita a revoltas, fugas e insurreições. Também havia os "pretos Del Rey" propriedade da coroa, que estavam a serviço do governador, para a edificação de obras públicas. Esses escravos podem ser vistos como verdadeiros equipamentos de serviço público, eram poucos e os governadores se obrigavam a alugar mais escravos junto aos proprietários. Em 1752 Rolim de Moura criou a Companhia dos Homens Pretos e Mulatos.
        Suas condições de vida não sendo boas os escravos do vale do Guaporé tendiam a se revoltar individual e coletivamente. Durante a segunda metade do século XVII eram comuns as fugas de escravos, formando quilombos, com um destaque para o de Quariterê (do Piolho) que existiu de 1752 a 1795, ano em que foi destruído. Os escravos aprisionados pela bandeira de Francisco Melo Palheta acabaram sendo libertados por Cáceres que lhes ordenou fundarem a aldeia de Carlota.

         Entre as principais causas de decadência do vale do Guaporé podem ser mencionadas: insalubridade, decadência do ouro, dificuldade de acesso e permanência, hostilidade índia. Além disso nas primeiras décadas do século XIX a capital foi transferida para Cuiabá, onde os capitães generais já passavam a maior parte do tempo, permanecendo Vila Bela abandonada, como herança aos negros que ali ficaram abandonados.

Aleks Palitot
Professor e Historiador
Reconhecido pelo MEC

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Amazônia e o Ciclo da Borracha

ANTECEDENTES DO CICLO DA BORRACHA


A partir da segunda metade do século XIX, dar-se-á a expansão da exploração do látex da Herbea brasiliensis, em virtude da crescente demanda externa, fazendo com que, no Amazonas, se processasse um surto de crescimento econômico. A esse movimento de crescimento econômico designou-se ciclo da borracha e teve implicações demográficas, políticas e culturais.
Muito antes de os europeus conhecerem a borracha, os povos pré-colombianos do continente americano utilizavam-na de distintas formas para atender inúmeras finalidades. Entre os povos indígenas, no que hoje corresponde aos territórios do México e do Haiti, extraía-se o látex para fazer bolas, sapatos, capas e diversos tipos de vasilhames. Além disso, a borracha também era utilizada no tratamento de doenças – como a hemorroida -, para proteger do frio, servindo de aquecedor, e para confeccionar tochas e flechas incendiárias.
Na Amazônia, seu uso foi registrado entre índios cambebas ou omáguas que habitavam no vale do Solimões-Marañon e empregavam-na para realizar várias atividades. Quando os colonizadores europeus deparam-se com o produto, impressionaram-se com sua capacidade elástica e sua impermeabilidade.

A EXPANSÃO DA ECONOMIA GOMÍFERA

Antes do surto da economia gomífera, a Amazônia, incluindo o Amazonas, já havia passado por duas grandes fases econômicas. A primeira, desde o início da colonização, em 1616, até o início da segunda metade do século XVIII, em 1750, caracterizou-se pelo extrativismo baseado na coleta de “drogas do sertão” (salsa, cacau, pimenta, castanha, cravo e canela), intensificada pela Coroa portuguesa frente às desvantagens de obtenção das especiarias do Oriente. Durante esse período, o sistema de capitães de aldeia e o regimento das missões administraram, respectivamente, o controle da mão-de-obra indígena.


A segunda fase, a partir de 1750 até aproximadamente 1830, foi marcada, sobretudo, pela preocupação e incentivo à agricultura.  Nesse sentido, é que alguns historiadores a chamam de fase do ciclo agrícola, pois ao mesmo tempo em que realizava a coleta de “drogas do sertão”, o colono deveria plantar espécies nativas. Ainda assim, mesmo com prosperidade agrícola nesse período, a produção extrativa excedia o volume da produção cultivada. Nessa fase, predominou o controle direto da Coroa portuguesa sobre a região por meio do Diretório dos índios, durante a época Pombalina, e, posteriormente, do Corpo de Trabalhadores.
Entre 1880 e 1913, período áureo, a região toma outras feições que culminaram na perda de sua face predominantemente indígena. Leva de nordestinos e estrangeiros de diversas procedências são atraídos à Amazônia pela falsa expectativa de enriquecimento rápido, no trabalho de extração da borracha, gerada a partir da difusão de boatos, além da vinda de investidores externos que se fixaram nas duas principais cidades da região: Belém, Manaus e nas proximidades de Porto Velho.

OS PRIMEIROS SERINGAIS


No início, a exploração do látex deu-se nas proximidades de Belém e na região das ilhas, dentre as quais, Marajó, estendendo-se até os rios Xingu e Jari, no Pará. A população tapuia e cabocla passou a se dedicar inteiramente ao trabalho de produção da borracha, abandonando a agricultura como atividade econômica voltada para o mercado e, mais adiante, prescindindo desta até mesmo para a manutenção da própria subsistência.
A técnica de extração do látex da seringa, chamada arrocho, era extremamente prejudicial à árvore, causando-lhe a morte rapidamente. O arrocho consistia em ferir a seringueira de alto para baixo e, em seguida, amarrá-la fortemente com cipós, visando extrair todo o látex de uma só vez.
Antes de ser proibido, todavia, tal método provocou o desaparecimento da Hevea brasilienses nas áreas inicialmente usadas para extração, forçando a penetração do seringueiro floresta adentro.
Dessa forma, avançou-se para o interior da floresta, ocupando-se áreas dos rios Tapajós, Madeira, Mamoré, Guaporé, Purus e Juruá e, posteriormente, chegando até o atual Estado do Acre. Essas áreas começaram a receber um fluxo de imigrantes cada vez maior, o que, associado ao aprimoramento do método de extração, permitiu que se obtivessem melhores resultados, elevando, com isso, a quantidade coletada do látex.

AS IMIGRAÇÕES PARA A AMAZÔNIA

A crescente demanda de borracha pela Europa e Estados Unidos, face ao seu aproveitamento industrial, além de ocupar a população com a extração do látex, fez com que se intensificasse a imigração para a região, acarretando-lhe um incremento demográfico responsável pela alteração de padrões de vida da cultura local, bem como pela quebra do seu isolamento perante o mundo.


A extração do látex precisava suprir o mercado. Era preciso mais mão-de-obra para trabalhar nos seringais. Em vista disso, o governo brasileiro e empreendedores particulares estimularam a  migração para a Amazônia de três formas:
Imigração dirigida, onde visava promover a vinda de imigrantes, tanto brasileiros quanto estrangeiros, para a colonização agrícola inicialmente. Em virtude do fracasso, parte dos imigrantes foi direcionada para o seringal.
Imigração Induzida, baseada em promessas nunca cumpridas, aliciavam-se trabalhadores do Nordeste para virem ocupar-se com a extração do látex.
Imigração espontânea, onde os próprios trabalhadores encaminhavam-se para o seringal, bem como para outras funções em setores do serviço e comércio na região. Foi a mais eficaz para resolver o problema do povoamento e obtenção de mão-de-obra na região.
Todavia, enquanto aumentava a população “civilizada”, os povos indígenas perdiam membros graças às epidemias e vícios trazidos pelos imigrantes, bem como tinham suas terras cada vez mais subtraídas.

A MÃO-DE-OBRA INDÍGENA

A iniciativa dirigida aos índios pelo governo era tão violenta quanto igualmente exploradora. A política voltava-se para a integração dos índios à sociedade nacional mediante o aliciamento de muitos membros dos mais variados grupos e tribos para o trabalho de produção da borracha, dentre outras ocupações.

Associadas a isso, a crescente redução das terras indígenas e a dispersão de distintos grupos em meio aos imigrantes, levaram-nos gradativamente, em grande parte, à extinção física e cultural.

AS IMIGRAÇÕES NORDESTINAS

Impelidos pela violenta seca, que se abateu nos diversos estados do Nordeste, eliminando quase que inteiramente todo o rebanho da região, de 1877 a 1880, os nordestinos viram-se forçados a emigrar para a Amazônia. Calcula-se que cerca de 300 mil imigrantes teriam provindo do nordeste entre 1870 e 1920, em diferentes momentos. A princípio ter-se-iam dirigido para a região, os emigrantes vindos, sobretudo, do Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte e, em seguida, de outros estados.


Contrastando-se com suas esperança avalia-se que grande parte da população imigrada para a Amazônia foi vitimada por epidemias, diversas doenças adquiridas a partir de avitaminose, além das condições rústicas dos isolados seringais, fazendo desfalecer muitos desses brasileiros imigrantes na Amazônia.

A IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA

Muitos estrangeiros de diversas procedências emigraram para a Amazônia em busca de riqueza, grande parte iludida pela campanha propagandista sobre a borracha difundida no exterior.
Os sírios e libaneses começaram a chegar a partir de 1872, trazendo consigo suas famílias. Inicialmente, dedicaram-se a atividade como mascate, regatão e varejo fixo. Conforme ascendiam, tendiam a dominar o sistema de barracão e o comércio urbano em expansão, além do que também exerciam outras atividades.


A construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré trouxe milhares de imigrantes à Amazônia. No entanto foram muitos os que sucumbiram na região, face às adversidades do meio amazônico.
Os índios tiveram seus territórios diminuídos, seus membros dispersos, seu povo, muitas vezes, violentado e, de um modo geral, foram comprometidos pela “febre” extrativista da borracha. Finalmente, a face indígena da Amazônia, que resistiram durante tantos séculos, estava profundamente alterada.
Outros elementos passaram a predominar, mesclando as várias raças e tipos humanos que marcaram presença, deixando como herança os que descenderam dessa miscigenação. Ao lado do tapuio e do caboclo, a figura do nordestino fazia emergir um novo personagem: o seringueiro.


CICLOS DA BORRACHA

Seringueiros e Seringalistas

O termo seringueiro era, inicialmente, o único usado para designar todos aqueles que se dedicavam à exploração da Hervea, mas depois, sutilmente, aquele mais abastado que empregava os demais ou tinha qualquer domínio sobre eles, passou a ser denominado seringalista. Por ocasião da criação do Território era essa a atividade econômica predominante, senão a única, eis que todas as demais atividades extrativas eram feitas por esses profissionais, durante o período de entressafra da borracha, quais sejam: coleta da castanha-do-pará, óleos(pau-rosa e copaíba), couros e peles etc.
Muito se discute até hoje sobre a relação de trabalho entre seringueiros e seringalistas, pois o primeiro não era, verdadeiramente, um empregado do segundo. Podia ser considerado uma espécie de associado ou tarefeiro. Com efeito, o seringalista, embora pensasse ter a propriedade dos seringais, na verdade apenas os possuía, pois eram raros os títulos concedidos pelo Estado. A terra pertencia a quem chegasse primeiro ou fosse mais ousado. O limite era de respeito, isto é, ia até onde o vizinho concordasse. Ou, se não concordasse, até onde resistisse pela força à entrada do outro vizinho. Guardem o nome: limite de respeito.


Uma vez dominada a gleba, pela força, o seringalista tinha de conseguir abastecimento para os seus homens, durante vários meses de safra, o que não era fácil, pois importava no congelamento de capitais durante meses, sem maiores garantias que a honradez do aviado, ou seringalista. O credor era o comerciante abastado da praça de Manaus ou Belém, que a si denominava aviadores.
Entre o seringalista e o seringueiro formava-se um subcontrato do mesmo gênero, comprometendo-se o trabalhador a cortar seringa em uma das estradas do seringalista, e ao fim da safra, entregar-lhe a produção, por um determinado preço.
Dito assim, a coisa parece simples, mas na prática ocorriam espertezas de parte a parte. Nem sempre o seringueiro era a vítima perseguido pelo poderoso seringalista, pois muitas vezes tentava usar da esperteza para ludibria-lo, seja fugindo com os aviamentos para outro seringal, seja vendendo parte da borracha para os comerciantes avulsos que percorriam os seringais, e tinham regatões.
Também havia o expediente de colocar pedras e outros objetos pesados dentro das bolas ou pelas de borracha, para aumentar o peso,e , por conseqüência, o lucro desonesto, fato que, pela constância, chegou a depreciar a borracha brasileira nos mercados internacionais.
Os seringalistas, por sua vez, tinham meios de recrutar às espertezas dos seringueiros, seja diminuído o peso da mercadoria no ato do recebimento, seja através da cobrança de preços exagerados pelas mercadorias que só ele podia levar para o seringal, seja pelo aumento das cartas, cobrando artigos nos fornecidos.

Na verdade era uma negociação tortuosa, mas no fim, geralmente, se estendiam, sendo poucas as reclamações que iam até à política ou à justiça, para solução, mesmo por que as longas distancias tornavam quase impossível qualquer interferência do Estado nessas transações comerciais, onde fraude permanentemente era quase sempre bilateral.

Aleks Palitot
Professor e Historiador
Reconhecido pelo MEC

segunda-feira, 6 de julho de 2015

70 anos da derrota do Nazismo


O Nazismo e o Expansionismo Alemão
            As concepções nazistas de Hitler, expostas no Mein Kampf[1] e em outros trabalhos, constituíam uma complexa miscelânea de idéias filosóficas e princípios pseudocientíficos. A bíblia que Hitler começou a escrever na prisão de Landsberg, onde esteve recolhido, com razoável conforto, de novembro de 1923 a dezembro de 1924.  Desse livro, redigido com incrível desleixo e inúmeros erros de sintaxe, venderam-se milhares de exemplares. O autor se investe na missão de predestinado, a quem cabe a missão de purificar o mundo.  "Creio agir – escrevia – no sentido desejado pelo Criador Todo Poderoso.  Lutando contra o Judeu eu defendo a obra do Senhor".  A arte dos grandes líderes, dizia ainda, sempre consistiu, através dos tempos, em não distrair a atenção do povo, concentrando-se sempre sobre um só adversário, segundo ele o "judaísmo internacional", sustentáculo ao mesmo tempo, do capitalismo e do comunismo.  Em suma, os principais pontos do nazismo eram o antibolchevismo (comunismo e socialismo);  fusão do socialismo e do nacionalismo numa  nova unidade;  coletivismo-totalitário, antiindividualista; governo de indivíduos superiores e elites; anti-semitismo; irracionalismo ou revolta contra a razão e o racionalismo ocidental; racismo, teoria das raças superiores e inferiores; princípio da liderança – "o Fuhrer está sempre certo"; imperialismo e exaltação à guerra.

            Em meio à crise econômica alemã, surgiu, por volta de 1919, um pequeno grupo político denominado Partido dos Trabalhadores.  Apesar do nome, não era de esquerda.  Em setembro desse mesmo ano, o grupo ganhou a adesão de um dos tantos veteranos de guerra ressentidos com os termos do Tratado de Versalhes. Austríaco de nascimento, o ex-soldado não tinha emprego fixo, mas era de grande habilidade na oratória.  Seu nome era Adolf Hitler.  Em 1920, Hitler já era o principal líder do grupo, que passou a se chamar Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (ou Partido Nazista).  No ano seguinte, os nazistas criaram as SA (Stürmabteilungen, Tropas de Assalto), milícias semelhantes aos Camisas Negras fascistas na Itália.  Seu objetivo era intimidar e eliminar os militantes dos partidos comunista e socialista.  Mais tarde, surgiram as SS (Schutzstaffel, Tropas de Proteção), que reuniram uma elite de assassinos fiéis a Hitler.
            Em 1923, estimulado pelo exemplo de Mussolini, que chegou ao poder por meio da Marcha sobre Roma, Hitler promoveu uma desastrada tentativa de golpe de estado em Munique, capital da Baviera, uma província alemã.  A tentativa foi reprimida pelo governo e Hitler,preso e condenado.  Na prisão, onde ficou até fins de 1924, escreveu o livro Mein Kampf, no qual expunha suas idéias e propostas para a Alemanha. O livro teve um relativo sucesso de público e Hitler começou a ficar popular.  Suas idéias anti-semitas e seu nacionalismo extremado atraíram setores da população desesperados com a crise do pós-guerra.  Ainda em 1923, tropas francesas e belgas ocuparam o vale industrial de Ruhr para obrigar os alemães a pagarem suas dívidas de guerra.  Carente dos rendimentos desse importante pólo econômico e compelido a fazer emissões de papel-moeda, o governo republicano não conseguiu deter a inflação, que culminou com a desvalorização do marco (moeda alemã) em proporções alarmantes.  Entretanto, entre 1924 e 1929, com a aquisição de financiamentos norte-americanos, a Alemanha pôde amortizar suas dívidas de guerra e, assim, retornar o difícil processo de recuperação interna.

            Em 1929, a quebra da Bolsa de Nova York lançou a Alemanha em uma crise mais profunda do que a de 1923-1924.  A inflação voltou a subir, mas o pior foi a bancarrota das empresas.  Em 1929, havia dois milhões de desempregados na Alemanha.
            Apostando na crise e na desesperança do povo alemão, os nazistas passaram a ganhar admiradores em quantidades cada vez maiores. Para isso valiam-se de  sua poderosa máquina de propaganda.  Ao mesmo tempo, passaram a receber cerrado apoio da alta burguesia, assustada com a crise e com o progresso da esquerda comunista.  Comunistas e socialistas, de fato, cresciam eleitoralmente, mas estavam desunidos.  Em Moscou, Stálin comandava a Terceira Internacional, que estabelecia diretrizes políticas para todos os partidos comunistas do mundo.  Essa centralização rígida e monopolítica em torno de Stálin seria fatal para a Alemanha.  Nas eleições de 1932, a soma de votos dos comunistas e dos socialistas alemães era maior do que a dos nazistas, que obtiveram 37,3% dos sufrágios.  Entretanto, por determinação da Terceira InternacionalI, o Partido Comunista alemão se recusou a somar forças com os socialistas.  O resultado foi a nomeação de Hitler para o cargo de primeiro-ministro em janeiro de 1933.  Selando, assim, o destino da Alemanha.

            A 27 de fevereiro desse mesmo ano, grupos nazistas incendiaram o prédio do Parlamento (Reichtag).  Hitler atribuiu a responsabilidade aos comunistas.  A acusação sem provas, foi usada como justificativa para uma violenta repressão aos sindicatos e aos membros do Partido Comunista e do Partido Socialista.  A Constituição foi anulada e brotaram os primeiros campos de concentração.  Hitler contou com amplo apoio do empresariado alemão e de setores da população. Para aliciar o exército, ordenou o massacre das SA, as antigas tropas de assalto, vistas como um rival incômodo pelos militares.  Na noite de 30 de junho de 1934, cerca de três mil membros das SA foram mortos pelas tropas das SS, fiéis a Hitler.  O episódio ficou conhecido como Noite dos longos punhais.

            Em agosto de 1934, morreu o marechal Hindenburg, ocasionando assim o acúmulo de funções por Hitler que passou a também responder pelo cargo de presidente.  Era o fim da República de Weimar e o começo do Terceiro Reich, sob o comando de Hitler, que recebeu o título de Führer ("chefe", em alemão).
            Uma das idéias básicas do nazismo era a crença de que o povo alemão descendia de uma raça superior (arianos) e, por isso, tinha o direito de sobrepujar as raças inferiores (judeus, eslavos, negros e etc.).  Os judeus eram especialmente odiados, porque, sendo uma raça inferior distribuída pelo mundo, representavam uma ameaça capaz de contaminar a pureza do sangue alemão.  Assim, os casamentos entre judeus e alemães foram proibidos e os judeus, boa parte, aniquilados.

            O nazismo repudiava todos os valores do individualismo e do liberalismo democrático, cravando a total integração do indivíduo no seio da comunidade política do Estado[2].  Os cartazes nazistas diziam, por exemplo, Tu não és nada, teu povo é tudo.  A vontade do estado era a vontade do povo alemão e somente poderia ser explanada com perfeição pelo Führer – chefe representante da comunidade -, a quem todos deviam prestar obediência absoluta.  Por isso, afirmava Hermann Goering[3], um dos mais íntimos colaboradores de Hitler, Eu não tenho consciência individual.  Minha consciência se chama Adolf Hitler.

            Em termos de programa político, o nazismo pregava que o povo alemão tinha de expandir-se militarmente, estendendo seu espaço vital. Afirmava, ainda,  ser necessário acabar com a humilhação nacional imposta à Alemanha pelo Tratado de Versalhes.  Por fim considerava como principais inimigos externos do país os russos, os franceses e os ingleses e, como inimigos internos, os judeus, os socialistas e os defensores da democracia parlamentar.


            Senhor absoluto do poder, Hitler dissolveu o Parlamento, criou a Gestapo (policia política secreta) e estabeleceu o regime de partido único, consentindo apenas a existência do partido Nazista.  No campo econômico, o Estado nazista fez rápidos progressos.  Para começar, impediu que continuassem a ser repatriados os capitais estrangeiros investidos no país.  Com isso, pôde aguilhoar a agricultura e a indústria, em especial a de armamentos.  Ao mesmo tempo, criando empregos nas construções e indústrias do Estado e ganhando mais adeptos do governo.
            Como já foi dito, esse programa, o nazismo, conseguiu a simpatia de numerosa massa de descontentes, que sofria com a intolerável situação econômica que abalava o país.  Era um programa que atraía especialmente as classes médias (pequenos comerciantes, pequenos industriais e profissionais liberais), camponeses endividados, desempregados e ex-combatentes.
            Proclamando que o povo alemão tinha direito de ampliar seu espaço vital, Adolf Hitler traçou plano precioso para a trajetória expansionista da Alemanha Nazista.  Em março de 1936, Hitler ordenou que o exército alemão tomasse a Renânia, região do rio Reno, entre as fronteiras da França e da Alemanha.  Segundo o Tratado de Versalhes[4], essa região devia permanecer desmilitarizada, porém Hitler desrespeitou essas proibições.
            A ação militar alemã não incomodou os generais franceses.  A maioria deles ainda acreditava nos métodos antigos, utilizados na Primeira Guerra.  Para defender o território francês, elaboraram uma estratégia antevendo uma guerra de trincheiras[5], com exércitos imóveis garantindo posições.  Construíram uma longa fortificação percorrendo a fronteira entre a França e a Alemanha, conhecida como linha Marginot.


            Em março de 1938, Hitler alcançou a anexação da Áustria à Alemanha (denominada Anschluss – União) sem disparar um único tiro, pois o forte Partido Nazista austríaco já havia preparado todo o caminho político para que essa anexação ocorresse.  Alegava-se que alemães e austríacos constituíam um povo germânico e, portanto, deviam viver sob o comando de um só Estado.  A Anschluss foi confirmada por um plebiscito austríaco realizado em abril de 1938, desvendando que o nazismo era bastante popular na Áustria.  Pouco tempo depois da anexação austríaca, Hitler passou a reivindicar a anexação da região dos Sudetos, na Tchecoslováquia, habitada por 3 milhões de alemães.
            O Estado nazista ocupou a região dos Sudetos mas também acabaram invadindo toda a Tchecoslováquia (março de 1939), seguindo ordens secretas de Hitler, desrespeitando o que havia sido combinado na Conferência de Munique[6]. Diante das agressões nazistas, França e Inglaterra apenas lançaram palavras de protesto contra a Alemanha.  Franceses e ingleses pensavam que o grande inimigo do mundo capitalista ocidental era o socialismo da União soviética.  Enquanto isso, Hitler traçava planos para novas invasões.
            No dia 27 de agosto de 1939, a Alemanha assinou um pacto secreto de não-agressão com a União Soviética.  Stalin e Hitler decidiram, então, ocupar a Polônia e dividi-la entre os dois países.  Em 1º de setembro de 1939, tropas alemãs invadiram pelo oeste o território polonês, sendo seguidas pelas tropas russas (17 de setembro de 1939), no lado leste.
            Dois dias depois do ataque dos nazistas, Inglaterra e França declararam guerra à Alemanha.  Era o início da Segunda Guerra Mundial.  A segunda Guerra Mundial (1939-1945) envolveu povos de praticamente todas as regiões do globo, embora os principais choques armados tenham sido travados na Europa, no norte da África e no Extremo Oriente.

Aleks Palitot
Historiador
Reconhecido pelo MEC





[1] Minha luta. Livro escrito por Hitler, onde continha os ideais nazistas e a raça pura (Ariana).
[2] LENHARO, Alcir. Nazismo – "O triunfo da vontade". Ed. Ática. São Paulo, 1986.
[3] LUKACS, John. O Hitler da história. JZE. Rio de Janeiro, 1998. 
[4] Resultou da Conferência de Paz de Versalhes  realizada entre janeiro e junho de 1919. Obrigou a Alemanha a pagar aos Aliados uma reparação de guerra de 33 bilhões de dólares, determinando ainda a desmobilização militar do país, a concessão de territórios na fronteira com a França e a perda das colônias Alemãs na África e na Ásia.
[5] Estratégia de guerra de resistência militar, onde se utilizavam trincheiras e buracos para combater em solo.
[6] Conferência onde se reuniram além de Hitler e Mussolini, os primeiros ministros Neville Chamberlain (Inglaterra) e Édourad Daladier (França).  Decidiram, a favor da Alemanha, apenas a anexação da Região dos Sudetos.