terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Rondon e Rondônia:100 anos das Linhas Telegráficas

           “Atacado pelos índios, Rondon tem seu rosto riscado por uma flecha. Um oficial grita: é uma vergonha se o Exército não der um corretivo exemplar àqueles selvagens. Rondon corta-lhe a palavra: ‘Quem representa o exército aqui sou eu, e o Exército não veio aqui fazer guerras. Os nambikuára não sabem que a nossa missão é de paz. Se esta terra fosse vossa e alguém visse roubá-la, ainda por cima, vos desses tiros, o que é que os senhores fariam apesar de civilizados? ’
       Mão firme e palavras como estas é que disciplinam a tropa. ” (GOMES, Emmanoel, 2012 :130)


Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon.

O empenho e a atuação do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, foi fundamental para revelar aos centros “políticos e desenvolvidos” do Brasil uma natureza fantástica, localizada no longínquo mundo amazônico do início do século XX, palco de outras inúmeras aventuras e personagens que desafiaram as adversidades que a floresta impõe aos invasores.
Árvores gigantescas e retorcidas, rios, lagos, cachoeiras, animais, mitos e lendas que descortinaram uma realidade cultural profunda com temperos, aromas exóticos e sedutores quase completamente desconhecidos pelo povo brasileiro.
Enganam-se os que associam à Comissão Rondon somente a construção de uma linha telegráfica entre Cuiabá, capital do Mato Grosso e Santo Antônio das Cachoeiras, localidade até então inconveniente para ocupação humana.

Derrubada de árvores para abrir caminhos as Linhas Telegráficas - 1913
Alguns, ainda seduzidos por pobres polêmicas, buscam diminuir a trajetória de Cândido Rondon focando sua atuação como “matador de índios ou protetor dos índios”. Afirmaria, com toda tranquilidade, que esse é o debate pobre e fútil sobre nosso maior personagem que serve somente para ridicularizar que o promove. Rondon liderou uma expedição épica, inimaginável, composta por profissionais com grande experiência e várias especialidades que desenvolveram estudos na área da geologia, botânica, cartografia, topografia e geografia, além de estudos sobre as nossas fronteiras, produzindo farto material sobre essa região da Amazônia.
A destemida expedição de Cândido Rondon deve, no mínimo, compor o cenário das grandes expedições filosóficas e científicas que percorreram o interior do Brasil e os rios amazônicos a partir do século XVIII. Condamine, Alexandre Rodrigues Ferreira, os austríacos Spix e Martius, o barão de Langsdorf, os ingleses Bates e Wallace, Dr. João Severiano da Fonseca e mais recentemente Claude Lévi Strauss compõem parte dessa galeria de grandes exploradores e pesquisadores.

Rondon na região fronteira entre Mato Grosso e Rondônia
Rondon foi muito além destes, pois carregava a missão de integrar um território e suas gentes ao restante do Brasil. Foi muito além das questões telegráficas e de fronteiras, dos estudos dos três reinos naturais: a fauna, a flora e o mineral. Rondon foi além das tentativas de integração dos povos que viviam em um mundo abandonado e esquecido na escuridão das florestas chuvosas, quentes e úmidas. Ele levou e representou os valores de uma pátria, carregou em si um Brasil inexistente na maior parte de seus gestos o que havia de melhor em nosso país naquele momento. É tarefa complicada para qualquer historiador encontrar um brasileiro com tamanha envergadura, espírito cívico, disposição e coragem.


Cândido Rondon não se contentou em revelar ao mundo as “Terras de Rondônia” como afirmou Roquete Pinto ou acompanhar o ex presidente americano Roosevelt em sua expedição a nossa região do atual estado de Rondônia. Ele percorreu a maior parte do território nacional em missões que somente os “homens gigantes” enfrentavam. Por isso, os mesmo se destacou nacionalmente e internacionalmente por suas preocupações com os povos indígenas, que sofriam constantes massacres sem a mínima atuação do Estado em seu socorro. Como criador do Serviço de Proteção ao Índio – SPI em 1910, instituição que se transformou em FUNAI em 1967, Fundação Nacional do Índio, Rondon procurou atuar na proteção e defesa dos povos e culturas indígenas.

Foto retirada do livro do historiador Emanuel Pontes Pinto
Cândido Rondon é indiscutivelmente o maior sertanista brasileiro de toda nossa história, é esse o foco que deveríamos investigar, pois sua atuação ainda ecoa sobre todos nós que moramos na porção ocidental do Brasil. A maioria dos estudos feitos sobre nosso mais conhecido personagem histórico nos informa sobre sua preocupação em preservar a cultura e as tribos indígenas.
Se houve conflitos, precisamos lembrar que Rondon atuou em uma época onde a cultura existente pregava uma lógica desenvolvimentista que elegia os povos indígenas como inimigos ou empecilho ao desenvolvimento urbano e “civilizado” da época, um período onde era comum crer na máxima: “índio bom é índio morto”. Rondon foi um verdadeiro brasileiro, em suas veias o sangue índio era evidente, sua brasilidade era enraizada ao tempero e ritmo de sua gente, é contra a lógica de genocídio que ele atua e milita. Seu ideal é o de um militar das “grandes causas humanitárias”. Em função dessa realidade, Rondon é um dos poucos personagens “oficiais” da nossa história que realmente merece ser promovido ao panteão de grande herói nacional.


RONDON, SUA OBRA E HISTÓRIA.


Cândido Mariano da Silva Rondon teve sua origem humilde. Filho de um tratador de animais, descendendo de espanhóis e índios terenas, de bandeirante, e bororos, agigantando-se em nossa história, destacando-se como militar, pacificador, cientista, construtor de estradas, de linhas telegráficas e inúmeros outros serviços prestados ao País. Rondon constituiu-se um símbolo da vontade humana, norteado pela religião que abraçou, baseada no amor à humanidade, tendo como seu lema: “morrer se preciso for, matar nunca”.
Nasceu Cândido Mariano da Silva Rondon a 5 de maio de 1865 na Sesmaria de Morro Redondo, nos Campos de Dourados, Estado do Mato Grosso, filho de Cândido Mariano da Silva e de sua esposa Dona Claudina Evangelista. Anos depois de seu nascimento acrescentou ao seu nome o sobrenome de seu tio e padrinho, Manuel Rondon, com a devida autorização do Ministério da Guerra.

Rondon em contato com índios entre Mato Grosso e Rondônia.
Graças a seu esforço e à sua capacidade nos estudos, o jovem natural de Campos de Mimoso, aos sete anos foi conduzido pelo tio a Cuiabá, iniciando seus estudos no Liceu Cuiabano e, já aos dezesseis anos, conseguiu um lugar de Professor do Ensino Primário na mesma instituição de ensino. Porém, seu espírito inquieto desejava maior dinâmica, o moço tinha vontade de ingressar na carreira militar e eis que em 26 de novembro de 1881 integrou-se no 3° Regimento de Artilharia à Cavalo e logo a seguir passou a frequentar a Escola Superior de Guerra, na Capital Federal. Figurou desde logo nos quadros de honra da Escola e pelo seu valor, já como 2° Tenente foi convidado para ministrar, na própria Escola, as cadeiras de Astronomia e Mecânica Racional.

Estação Telegráfica em Jaru - Rondônia
Rondon, a exemplo de uma lista imensa de outros sertanistas, demonstrou incrível coragem e determinação ao atuar em regiões tão inóspitas no interior do Brasil, deve ser citado ao lado de Antônio Rolim de Moura Tavares, primeiro governante da Capitania do Mato Grosso. Domingos Sambucet, Engenheiro que iniciou as obras do Real Forte Príncipe da Beira e faleceu de malária. Ricardo Franco de Almeida Serra, Engenheiro que trabalhou no Real Forte Príncipe da Beira após o falecimento de Sambucet. Francisco de Melo Palheta, bandeirante que introduziu as primeiras mudas de café no Brasil e percorreu o trajeto entre Belém do Pará e Vila Bela da Santíssima Trindade no mato Grosso em meados do século XVII. Luis de Albuquerque Melo Pereira e Cáceres, quarto Governador da Capitania do Mato Grosso, foi na sua gestão que se construiu o Forte Príncipe da Beira. Trabalhadores dos seringais e da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Francisco e Apoena Meireles, grandes sertanistas e indigenistas.

Rondon em trabalho na demarcação de fronteiras na Amazônia
Entre os vários títulos e homenagens, Marechal Rondon foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz no ano de 1925. O propositor de tal homenagem foi nada mais e nada menos que o maior físico da história da humanidade, Albert Einstein. Mais tarde, na década de 50, foi indicado novamente.
Nos anos de 1892 e 1898 ajudou a construir as linhas telegráficas de Mato Grosso a Goiás. Entre 1900 e 1906 dirigiu a construção de mais uma linha telegráfica, ligando Cuiabá e Corumbá, alcançando as fronteiras do Paraguai e Bolívia. No início do século XX encontrou as ruínas do Real Forte Príncipe da Beira, uma das maiores relíquias históricas de Rondônia. Em 1907, no posto de major do Corpo de Engenheiros Militares, foi nomeado chefe da comissão que deveria construir a linha telegráfica amazônica, e que foi denominada “Comissão Rondon”. Seus trabalhos desenvolveram-se de 1907 a 1915.

Atuação do Serviço de Proteção ao Índio - 1911
Em 1910 organizou e passou a dirigir o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), criado em 7 de setembro de 1910. Em 12 de outubro de 1911 inaugurou a estação telegráfica de Vilhena, na fronteira do estado do Mato Grosso e Rondônia. Em 1914 participou da denominada expedição Roosevelt-Rondon, junto com o ex-presidente dos Estados Unidos da América, Theodore Roosevelt. Realizando novos estudos e descobertas na região. Durante o ano de 1914 a Comissão Rondon construiu em oito meses, 372 km de linhas e cinco estações: Pimenta Bueno, Presidente Hermes, Presidente Pena, Jaru e Ariquemes. No dia 1° de janeiro de 1915 inaugurou a estação telegráfica de Santo Antônio do Madeira, concluindo a gigantesca missão que lhe fora conferida.

Marechal Rondon - 1930
Por tantos e inúmeros feitos, em 5 de maio de 1955, data de seu aniversário de 90 anos, recebeu o título de Marechal do Exército Brasileiro concedido pelo Congresso Nacional. Homenageando o velho Marechal, em 17 de fevereiro de 1956, o Território Federal do Guaporé teve seu nome alterado para Território Federal de Rondônia. O grande líder e “cacique branco” como era denominado por alguns índios, veio a falecer no Rio de Janeiro, aos 92 anos, em 19 de janeiro de 1958. 

Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O Furo do Candeias, desafio do homem na floresta


Casarão do Dr Martins Português datado de 1911 as margens do Madeira 
O “ciclo da borracha” é um evento na história econômica da Amazônia, que enseja farta matéria de estudo. Da atividade extrativa da borracha, decorrem também outros fatos históricos como, a conquista do Acre e a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Em virtudes desses fatos, as fronteiras brasileiras foram alargadas, surgindo novos estados: Acre e Rondônia.
O sentindo de alargar fronteiras, vai além de um todo, no que tange apenas a ampliação dos limites do Brasil amazônida. O poder dos seringalistas e os braços dos seringueiros, também conhecidos como “soldados da borracha”, possibilitaram façanhas conhecidas e desconhecidas em meio à floresta. Imaginar que nordestinos fugindo da seca do agreste, e migrando para a Amazônia com um bioma e geografia diferenciada, puderam abri um canal de um quilometro e meio em Rondônia, praticamente um novo rio, ligando assim os Rios Candeias e Madeira, isso sim é algo fantástico, vai além de alargar fronteiras. A vala ou furo do Rio Candeias, é até então pouco conhecido em história por quem vive em Rondônia.
Furo do Candeias ou Vala do dr. Martins próximo a São Carlos distrito de PVH. 
Percorremos o trecho em questão, navegando pelo canal, e percebemos a grandeza de tal obra, podendo imaginar as dificuldades da época para sua construção. Segundo o historiador da Universidade Federal de Rondônia, Dante Fosenca, estima-se que a obra tenha sido concluída em meados de 1910 ou 1912, e que o dono da ideia, seria de um engenheiro português chamado de Dr. Martins. Acredita-se que o mesmo tinha grau de parentesco com o fundador da cidade de Humaitá no Amazonas, o Comendador Monteiro, que possuía seringais as margens do Rio Madeira

Pelas de borracha sendo transportadas pelos rios da Amazônia
Segundo relatos, o dr Martins era proprietário do seringal Aliança em Cadeias do Jamari, e perdia considerável tempo no transporte de pelas de borracha pelo rio que dava nome a região, pois, por este se seguia até o encontro do rio Madeira.
Casarão abandonado em antigo Seringal Nova Aliança - uma das mais antigas
 edificações do município de Porto Velho - datado de 1911. 
Para os seringalistas, evidentemente tempo era dinheiro, por isso, para evitar prejuízos e  agilizar o transporte da borracha, dr Martins teria encontrado um ponto de proximidade entre os rios, e a partir desse paralelo teria traçado um caminho, somado ao desafio de desmatar o local em um trecho de 1,5 km, abrindo uma vala em uma região onde 80% do solo era argiloso. Não deve ter sido tarefa fácil, até por que não era de muita utilidade a dinamite, artefato comum nesses tipos de trabalho. Por isso, a maior parte do serviço foi feito pelos braços dos valorosos seringueiros que com pás, picaretas, inchadas, serras e machados; abririam a floresta e cavariam um canal por onde seria possível navegar com regatões e pequenas embarcações. Estas transportariam o ouro branco, a borracha, diminuindo distancias geográficas, dessa forma o homem da floresta era convidado diariamente a desafiar as adversidades em Rondônia, cavando um novo rio, um canal, uma vala.
Casarão abandonado com telhas francesas, piso lateral português, sistema de circulação
de ar, encanamento inglês, papel de parede português e piso de madeira nobre.
Quando visitamos a região, nos deparamos com antiga sede do seringal que agora seria denominado de Nova Aliança, a beira do Rio Madeira e próximo ao furo ou vala do senhor Martins. Lá encontramos um antigo casarão em ruínas datado de 1911. De impressionante arquitetura no estilo português com telhas francesas datadas de 1910. Ainda é possível encontrar parte do piso original na varanda da edificação e também o papel de parede da época na parte interna do casario. Próximo ao local, nos surpreendemos, com uma escola em ruínas com quatro salas de aula, o que é difícil, de se imaginar em um seringal. Onde a maioria dos coronéis e seringalistas, preferiam trabalhadores não instruídos para assim facilitar o sistema de barracão e aviamento, comum nesse tipo de economia, onde o soldado da borracha era explorado. Sabe-se que a esposa do dr Martins era professora, e em meio a sede do seringal sem ter o que fazer no dia-dia, teria insistido ao marido, a necessidade da construção de uma escola onde ela pudesse lecionar e se sentir útil.
Cemitério do Seringal próximo ao casarão português
A produção de borracha foi uma atividade que proporcionou ao governo brasileiro, a oportunidade ocupacional, a organização política administrativa da região, usando apenas os recursos naturais que a floresta oferecia. Os rios serviam aos exploradores como estradas por onde os recursos naturais saíam, transportados para grandes centros comerciais. O homem nordestino representou para o governo, a força de trabalho, a mão-de-obra empregada para extrair as riquezas. Após a exaustão da produção do látex a mão-de-obra foi descartada e os seringueiros foram esquecidos, abandonados no meio da floresta, e aí permaneceram, viveram e envelheceram. Mas, sua história sempre será evidenciada, no intuito de lançar luzes sobre o legado de um povo, que com braços fortes encarou a floresta e construiu uma linda história.

Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87

Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098