Poucas pessoas sabem da vinda do celebre escritor modernista brasileiro a Rondônia. Mário de Andrade (São Paulo, 1893-1945), fotógrafo moderno, mas de reconhecimento tardio, que veio a Porto velho na década de 20 na busca de conhecer o Brasil do norte, e usar como inspiração para suas futuras obras, os elementos culturais amazônidas. Como esse tema é muito amplo, vou restringir-me à fotografia na primeira das duas viagens em que ele se denomina Turista Aprendiz. As expedições ocorrem a partir de 1927 quando Mário, aos 34 anos, por sua obra de poeta, ficcionista, teórico do Modernismo, cronista e crítico, já goza de certa projeção nacional. A escolha do ano de 1927 abre exceção a duas fotos de 1928-1929, dada a importância delas para esta reflexão. Alguns pesquisadores chegam a dizer, que Mário teria reescrito seu famoso personagem Macunaíma, após conhecer a vida do caboclo da Amazônia nas regiões de Rondônia e Mato Grosso.
Mário de Andrade no Rio Jaci Paraná |
No arquivo do escritor, no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, na série Fotografias, entre as subséries ali organizadas, sobressai aquela que o caracteriza como um fotógrafo moderno, manejando uma Kodak de caixão, pelo que se observa no auto-retrato enquanto sombra, datado do ano-novo de 1928.
Mario de Andrade ao lado do Marco Divisório AM-MT em Sto. Antônio |
Mário de Andrade vai primeiramente ao Norte. As duas viagens que realiza como Turista Aprendiz, em 1927 e 1928-1929, são as mais demoradas e extensas de uma vida de poucas viagens. Devotadas a uma espécie de impregnação do Brasil, ambas lhe rendem diários textuais e imagéticos, estes últimos unindo legendas às fotografias. Na primeira, entre maio e princípio de agosto de 1927, ao lado de D. Olívia Penteado, na verdade, a responsável pela idéia, e de duas mocinhas, a sobrinha dela, Margarida Guedes Nogueira – Mag – e a filha da pintora Tarsila do Amaral, Dulce do Amaral Pinto – Dolur –, retroceder visita os estados do Amazonas e do Pará, chega a Porto Velho Rondônia, a Iquitos, no Peru, e à fronteira com a Bolívia. Vai e volta de vapor, com escalas nos portos principais; a bordo de embarcações típicas da região, navega os grandes rios, igapós e igarapés; toma um trem da Madeira-Mamoré, visita Jaci Paraná, Abunã, Vila Murtinho e Guajará Mirim.
Ao regressar, o escritor e fotógrafo, ainda em 1927, lança-se em mais dois diários: o imagético-textual e o textual propriamente dito. O primeiro compõe-se de mais de 500 imagens reveladas em preto-e-branco e viragens, seguidas das respectivas legendas no verso, a lápis. Estas, em uma primeira etapa da escritura, geralmente transpõem apenas as informações colhidas in loco, mas, em uma segunda – materializada no traço mais leve –, glosam as representações e o exercício fotográfico, ao construir um texto fragmentário, multifacetado e híbrido, como todos os diários. Nele viceja tanto o registro que se propõe fidedigno como a criação literária que exerce o humor, o lirismo e a metalinguagem.
A baronesa Olívia Penteado ao lado de Major Amarantes e Dulce do Amaral Pinto, filha de Tarsília do Amaral |
Diário moderno, junto com o primeiro, aquele das sínteses esboçadas em papéis esparsos, embasa o trabalho do escritor que, em sua escrivaninha paulistana, no mesmo ano da viagem, expande um novo texto, no qual recorre a diversos tipos de relato e dialoga com o diário da viagem do naturalista Martius pela Amazônia. Tem intenção de publicá-lo como O Turista Aprendiz: (Viagem pelo Amazonas até o Peru, pelo Madeira até a Bolívia e por Marajó até dizer chega), paródia ao título do livro do avô, Leite Moraes, de 1883, Apontamentos de viagem de São Paulo á capital de Goiás, desta ao Pará, pelos rios Araguaia e Tocantins, e do Pará á Corte. Considerações administrativas e políticas. Dessa versão de 1927, restaram parcelas aproveitadas na versão final em datiloscrito, precedida do prefácio de 30 de dezembro de 1943.
Na região de Rondônia, Mário viveu o cotidiano do homem da floresta, perceptível em algumas de suas fotos. Sua criatividade é representada com engenho e arte, pois ele propõe a função documental da fotografia ao se voltar para aspectos da geografia física da região, para o homem e a cultura material. Deste modo, a paisagem – a terra, os rios, a vegetação –, a população de brancos, mestiços e indígenas, homens, mulheres, curumins, os meios de transporte, trabalho, usos e costumes são captados pelas lentes de sua câmera.
O legado histórico para Rondônia, foi deixado através de fotos não conhecidas, como pro exemplo das ruínas da antiga Catedral em 1928, situada anteriormente onde é atualmente o Palácio do Governo de Rondônia. Além de fotografias tiradas ao longo do percurso da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Fotos como em Jaci Paraná, Santo Antônio no Marco Divisório, em Abunã no Obelisco Centenário e em Vila Murtinho.
Outras fotos reveladoras, são do Edifício Monte Líbano e Obelisco Centenário no centro de Porto Velho, além de uma foto charmosa de uma pequena procissão de Nossa Senhora Auxiliadora em frente ao Colégio Barão dos Solimões.
Poucas pessoas eram conhecedoras da visita a Mario de Andrade a Porto Velho, e na tal, ele deixa claro em seu diário, que apreciou bastante a estada por aqui. Muitas pessoas da nossa pacata cidade correram para o pátio da ferrovia, quando ficaram sabendo que o famoso escritor modernista se encontrava em um dos vagões,... ”o que eu vim fazer aqui!...Qual a razão de todos esses mortos internacionais que renascem na bulha da locomotiva e vêm com seus olhinhos de fraca me espiar pelas janelinhas do vagão ?...” Mario de Andrade, O turista aprendiz.
Aleks Palitot
Historiador reconhecido pelo MEC pela portaria n° 387/87
Diploma n° 483/2007, Livro 001, Folha 098
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