segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

O Acre existe? A luta para fazer parte do Brasil

 


Se no Brasil a conquista do Acre constitui um verdadeiro romance de aventura, com seus heróis e vitórias, para a Bolívia a perda do território é parte de uma história marcada por tragédias e derrotas. Nas terras altas e frias montanhas dos Andes, onde se localizava a maior parte da população boliviana, o colonizador arrancou toneladas de prata, durante mais de trezentos anos. Foi a última região do continente a expulsar, em 1825, os espanhóis, que deixaram para trás um novo país empobrecido e dividido. Crises econômicas, como a provocada pela queda dos preços da prata em 1871 e 1895, ajudaram a enfraquecer ainda mais a economia do país. Grandes áreas do território estavam pouco povoadas e sem controle do Estado boliviano, entre estas as distantes regiões amazônicas.


A situação da Bolívia tornou-se pior com a guerra contra o Chile entre 1879 e 1882. O litoral boliviano no oceano Pacífico era cobiçado pelas empresas multinacionais inglesas, que, em aliança com o governo chileno, desencadearam a Guerra do Pacífico, que terminou, para a Bolívia, com a perda da saída para o mar. Naquele momento difícil, a alta do preço da borracha extraída da Amazônia era uma das poucas boas notícias para o governo boliviano. Embora o acordo de limites entre Brasil e Bolívia assinado em 1867 (Tratado de Ayacucho) garantisse as fronteiras na região do Acre, a Bolívia pouco fizera neste tempo para assegurar o controle da área. Este fato certamente deu margem a um avanço sem limites dos seringalistas (donos de seringais) brasileiros, que não encontraram resistência importante no caminho. No final do século XIX, quase 50 mil brasileiros já exploravam borracha no Acre boliviano.


Ao perceber, tarde demais, que perdia o controle do Acre, o governo boliviano tentou acelerar sua presença na região. No início de 1899, fundou o povoado de Puerto Alonso, com uma alfândega e uma delegacia administrativa para cobrar imposto da produção de borracha. Os grandes seringalistas, que já trafegavam livremente na região, não aceitaram a autoridade boliviana. Em julho de 1899, um grupo de brasileiros armados tomou Puerto Alonso e,sob a liderança do aventureiro espanhol Luiz Galvez Rodríguez de Arias (ver box), proclamou a República Independente do Acre. Galvez e seus companheiros eram "testas-de-ferro" dos grandes seringalistas, comerciantes e políticos do Amazonas. Estes buscavam forçar o governo brasileiro a apoiar a futura anexação do Acre ao Brasil, numa estratégia semelhante à anexação do Texas mexicano pelos EUA. No entanto, oi-to meses depois, navios da Marinha brasileira depuseram Galvez e restituíram o território à Bolívia.


Nessa época, ocorre na Bolívia a chamada Revolução Federal (1899), uma guerra civil que divide o país, consome as energias do governo e provoca uma gigantesca rebelião indígena liderada por Zárate Willka (?-1899). Fazendeiros brancos são assassinados e propriedades destruídas. Quando surge a questão do Acre, o novo governo boliviano, liderado pelo general José Manuel Pando (1899-1904),acabara de controlar rebeliões internas, mandara fuzilar Willka e tentava reorganizar o país. Restavam poucas possibilidades e recursos para uma grande mobilização contra os invasores.

O esforço boliviano foi, de todo modo, gigantesco. Para combater Galvez, o próprio Pando, junto com os chefes militares Ismael Montes e Lucio Pérez Velasco, dirigiu-se à região. As expedições militares demoravam cerca de três meses para atravessar rios e selvas até o Acre. Ao contrário do lado brasileiro, que utilizava os rios para chegar à zona de conflito, do lado boliviano não havia caminhos de acesso. Os combates se sucederam ao longo de três anos. As várias expedições bolivianas reuniram mais de 2 mil soldados neste período, enquanto os seringalistas brasileiros mobilizaram cerca de 4 mil homens.



O governo boliviano concluiu que apenas postos fronteiriços e expedições militares esporádicas não assegurariam os seus territórios, e decidiu transferir a uma multinacional a exploração da borracha na região, como forma de garantir impostos. É então formada a empresa Bolivian Syndicate Co., constituída por capitais ingleses e norte-americanos, que arrendou o Acre por dez anos. A empresa, prevendo conflitos, preparou uma forca policial com o objetivo de tomar posse dos territórios ocupados. Os seringalistas e comerciantes brasileiros trataram de agir rápido, para não dar tempo à empresa de se instalar. No dia 6 de agosto de 1902, organizaram mais uma insurreição. José Plácido de Castro (1873-1908), um jovem e combativo militar gaúcho que caíra em desgraça no go- verno Floriano Peixoto (1891-1894) e se fixara em Manaus, é escolhido para chefiar o movimento. Ele se põe à frente de um exército mercenário de seringueiros, que inicialmente toma o povoado de Xapuri, prendendo os funcionários e militares bolivianos.



Os bolivianos gastam os poucos recursos disponíveis para defender e assegurar seu território. No final de 1902, uma nova expedição militar, com 321soldados, comandada pelo ministro do Exército, Ismael Montes, é despachada para o Acre e facilmente derrotada. Em fevereiro de 1903, os seringueiros tomam Puerto Alonso e prendem o governador boliviano, Juan de Dios Barrientos. Novamente é proclamado o Estado Independente do Acre. Plácido de Castro organiza o governo, sob sua direção, com sede em Puerto Alonso.

 


A multiplicação de incidentes na região chamou a atenção do governo federal, no Rio de Janeiro, obrigando-o a mudar sua posição. Certamente incomodava ao governo central a presença de um território rebelde e fora de qualquer controle, na despovoada e longínqua fronteira amazônica do país. Para apaziguar a região e intimidar os bolivianos, foi mobilizada uma bem aparelhada força militar, sob o comando de Olímpio da Silveira, general que anos antes contribuíra para massacrar a rebelião de Canudos, no Nordeste brasileiro. O recém proclamado Estado Independente do Acre foi então ocupado por tropas brasileiras.


Com o controle militar, o governo brasileiro impôs uma solução para o conflito e em fevereiro de 1903realizou um acordo com a Bolivian Syndicate Co., pagando à empresa 110 mil libras esterlinas para que desistisse de explorar a região. O governo boliviano, que fora derrotado militarmente pelos exércitos de Plácido de Castro, estava com poucas condições de oferecer alguma resistência naquele momento. Em março de 1903, o Brasil impôs um tratado preliminar aos bolivianos. O Acre seria dividido em duas regiões: a região norte seria ocupada por tropas brasileiras, e a região sul mantida provisoriamente sob o comando de Plácido de Castro. Finalmente, em 17 de novembro de 1903, fruto da intimidação militar e pressões diplomáticas articuladas pelo barão do Rio Branco, ministro brasileiro das Relações
 Exteriores, foi assinado entre os dois países o Tratado de Petrópolis, pelo qual o Brasil comprou da Bolívia o território do Acre por 2 milhões de libras esterlinas e comprometeu-se a construir a ferrovia Madeira-Mamoré, que daria à Bolívia a saída para o mar pela Bacia Amazônica.

 Aleks Palitot

Professor e Historiador

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