Se no Brasil a conquista do Acre constitui um verdadeiro
romance de aventura, com seus heróis e vitórias, para a Bolívia a perda do
território é parte de uma história marcada por tragédias e derrotas. Nas terras
altas e frias montanhas dos Andes, onde se localizava a maior parte da
população boliviana, o colonizador arrancou toneladas de prata, durante mais de
trezentos anos. Foi a última região do continente a expulsar, em 1825, os
espanhóis, que deixaram para trás um novo país empobrecido e dividido. Crises
econômicas, como a provocada pela queda dos preços da prata em 1871 e 1895, ajudaram
a enfraquecer ainda mais a economia do país. Grandes áreas do território
estavam pouco povoadas e sem controle do Estado boliviano, entre estas as
distantes regiões amazônicas.
A situação da Bolívia tornou-se pior com a guerra contra
o Chile entre 1879 e 1882. O litoral boliviano no oceano Pacífico era cobiçado pelas
empresas multinacionais inglesas, que, em aliança com o governo chileno,
desencadearam a Guerra do Pacífico, que terminou, para a Bolívia, com a perda
da saída para o mar. Naquele momento difícil, a alta do preço da borracha
extraída da Amazônia era uma das poucas boas notícias para o governo boliviano.
Embora o acordo de limites entre Brasil e Bolívia assinado em 1867 (Tratado de
Ayacucho) garantisse as fronteiras na região do Acre, a Bolívia pouco fizera
neste tempo para assegurar o controle da área. Este fato certamente deu margem
a um avanço sem limites dos seringalistas (donos de seringais) brasileiros, que
não encontraram resistência importante no caminho. No final do século XIX, quase
50 mil brasileiros já exploravam borracha no Acre boliviano.
Ao perceber, tarde demais, que perdia o controle do
Acre, o governo boliviano tentou acelerar sua presença na região. No início de
1899, fundou o povoado de Puerto Alonso, com uma alfândega e uma delegacia
administrativa para cobrar imposto da produção de borracha. Os grandes
seringalistas, que já trafegavam livremente na região, não aceitaram a
autoridade boliviana. Em julho de 1899, um grupo de brasileiros armados tomou
Puerto Alonso e,sob a liderança do aventureiro espanhol Luiz Galvez Rodríguez
de Arias (ver box), proclamou a República Independente do Acre. Galvez e seus
companheiros eram "testas-de-ferro" dos grandes seringalistas,
comerciantes e políticos do Amazonas. Estes buscavam forçar o governo
brasileiro a apoiar a futura anexação do Acre ao Brasil, numa estratégia
semelhante à anexação do Texas mexicano pelos EUA. No entanto, oi-to meses
depois, navios da Marinha brasileira depuseram Galvez e restituíram o
território à Bolívia.
Nessa época, ocorre na Bolívia a chamada Revolução
Federal (1899), uma guerra civil que divide o país, consome as energias do
governo e provoca uma gigantesca rebelião indígena liderada por Zárate Willka
(?-1899). Fazendeiros brancos são assassinados e propriedades destruídas.
Quando surge a questão do Acre, o novo governo boliviano, liderado pelo general
José Manuel Pando (1899-1904),acabara de controlar rebeliões internas, mandara
fuzilar Willka e tentava reorganizar o país. Restavam poucas possibilidades e
recursos para uma grande mobilização contra os invasores.
O esforço boliviano foi, de todo modo, gigantesco.
Para combater Galvez, o próprio Pando, junto com os chefes militares Ismael
Montes e Lucio Pérez Velasco, dirigiu-se à região. As expedições militares
demoravam cerca de três meses para atravessar rios e selvas até o Acre. Ao
contrário do lado brasileiro, que utilizava os rios para chegar à zona de
conflito, do lado boliviano não havia caminhos de acesso. Os combates se
sucederam ao longo de três anos. As várias expedições bolivianas reuniram mais
de 2 mil soldados neste período, enquanto os seringalistas brasileiros
mobilizaram cerca de 4 mil homens.
O governo boliviano concluiu que apenas postos
fronteiriços e expedições militares esporádicas não assegurariam os seus
territórios, e decidiu transferir a uma multinacional a exploração da borracha
na região, como forma de garantir impostos. É então formada a empresa Bolivian
Syndicate Co., constituída por capitais ingleses e norte-americanos, que
arrendou o Acre por dez anos. A empresa, prevendo conflitos, preparou uma forca
policial com o objetivo de tomar posse dos territórios ocupados. Os
seringalistas e comerciantes brasileiros trataram de agir rápido, para não dar
tempo à empresa de se instalar. No dia 6 de agosto de 1902, organizaram mais
uma insurreição. José Plácido de Castro (1873-1908), um jovem e combativo
militar gaúcho que caíra em desgraça no go- verno Floriano Peixoto (1891-1894) e se fixara em
Manaus, é escolhido para chefiar o movimento. Ele se põe à frente de um
exército mercenário de seringueiros, que inicialmente toma o povoado de Xapuri,
prendendo os funcionários e militares bolivianos.
Os bolivianos gastam os poucos recursos disponíveis
para defender e assegurar seu território. No final de 1902, uma nova expedição
militar, com 321soldados, comandada pelo ministro do Exército, Ismael Montes, é
despachada para o Acre e facilmente derrotada. Em fevereiro de 1903, os
seringueiros tomam Puerto Alonso e prendem o governador boliviano, Juan de Dios
Barrientos. Novamente é proclamado o Estado Independente do Acre. Plácido de
Castro organiza o governo, sob sua direção, com sede em Puerto Alonso.
A multiplicação de incidentes na região chamou a
atenção do governo federal, no Rio de Janeiro, obrigando-o a mudar sua posição.
Certamente incomodava ao governo central a presença de um território rebelde e
fora de qualquer controle, na despovoada e longínqua fronteira amazônica do
país. Para apaziguar a região e intimidar os bolivianos, foi mobilizada uma bem
aparelhada força militar, sob o comando de Olímpio da Silveira, general que
anos antes contribuíra para massacrar a rebelião de Canudos, no Nordeste brasileiro.
O recém proclamado Estado Independente do Acre foi então ocupado por tropas
brasileiras.
Com o controle militar, o governo brasileiro impôs
uma solução para o conflito e em fevereiro de 1903realizou um acordo com a
Bolivian Syndicate Co., pagando à empresa 110 mil libras esterlinas para que
desistisse de explorar a região. O governo boliviano, que fora derrotado
militarmente pelos exércitos de Plácido de Castro, estava com poucas condições
de oferecer alguma resistência naquele momento. Em março de 1903, o Brasil
impôs um tratado preliminar aos bolivianos. O Acre seria dividido em duas
regiões: a região norte seria ocupada por tropas brasileiras, e a região sul
mantida provisoriamente sob o comando de Plácido de Castro. Finalmente, em 17
de novembro de 1903, fruto da intimidação militar e pressões diplomáticas
articuladas pelo barão do Rio Branco, ministro brasileiro das Relações Exteriores, foi assinado entre os dois países
o Tratado de Petrópolis, pelo qual o Brasil comprou da Bolívia o território do
Acre por 2 milhões de libras esterlinas e comprometeu-se a construir a ferrovia
Madeira-Mamoré, que daria à Bolívia a saída para o mar pela Bacia Amazônica.
Aleks Palitot
Professor e Historiador
Nenhum comentário:
Postar um comentário