O desafio de subir o Madeira
Na esteira da conquista do oeste
iniciada no século anterior pelos bandeirantes, partiu de Belém do Pará, em
1723, a expedição de Francisco de Melo Palheta, com o objetivo de subir o
Madeira para reconhecer suas nascentes. A travessia foi relatada por um dos
membros da tripulação, narrativa anônima que se tornou o primeiro registro
escrito sobre o Madeira e embasou o mais antigo mapa detalhado desse trecho,
desenhado por José Gonçalves da Fonseca, então secretário do Governo do Estado
do Maranhão e do Grão-Pará (equivalente aos atuais estados de Maranhão, Piauí,
Pará, Amazonas, Roraima e Amapá).
A respeito das instruções
passadas a José Gonçalves da Fonseca, escreveu o historiador André Ferrand de
Almeida no texto A Viagem de José Gonçalves da Fonseca e a Cartografia do Rio
Madeira (1749‑1752): “… esperava‑se
que tivesse um cuidado redobrado nas observações
que fosse realizando, anotando os rumos da corrente do Madeira, o número de cachoeiras, as dificuldades em atravessá-las e as
distâncias entre elas. A preocupação com o cálculo das latitudes era uma
constante: todos os dias deviam tomar a altura do sol, principalmente na boca
dos rios. Para além de novos mapas do Amazonas …” deveria Fonseca desenhar um
mapa do rio Madeira que mostrasse por onde se devia navegar e que permitisse
visualizar as informações que fosse anotando sobre o rio e seus afluentes, e
sobre as missões de Moxos. Uma vez chegado ao Mato Grosso, também lhe era
pedido que fizesse um mapa onde registrasse todos os dados relativos à rede
hidrográfica, ao relevo e às povoações portuguesas e espanholas, nomeadamente
sobre Cuiabá e o caminho que ligava esta vila ao Mato Grosso”.
O relato de Fonseca é longo e
especialmente detalhado na descrição das passagens pelas cachoeiras. “Fonseca
ficou empolgado com a visão majestosa das águas revoltas através das pedras, e
com a aventura que significava a travessia desses acidentes. Por isso, recorreu
até a recursos literários para transmitir sua emoção diante de tão grandioso
espetáculo”, escreveu Manoel Rodrigues Ferreira no livro A Ferrovia do Diabo
(Melhoramentos). A principal consequência de seu relato foi a decisão régia de
autorizar a abertura da rota do Madeira à navegação e ao comércio, em 1752 –
medida de importância comercial e estratégica inegável.
Até o final do século 18, seriam
realizadas mais duas subidas oficiais do Madeira: a do engenheiro Francisco
José de Lacerda e Almeida (1781), chefe da Comissão Demarcadora dos Limites da
América Portuguesa, e a do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1788), com
objetivos puramente científicos.
Como já vimos, no século anterior
(1650), Antônio Raposo Tavares atingira o Vale do Madeira, três anos depois que
saíra de São Paulo de retorno de sua penetração pelos altiplanos bolivianos.
Raposo Tavares atingira o rio Mamoré e em seguida o Madeira, percorrendo-o em
toda sua extensão, até a foz, no rio Amazonas, do qual se serviu também para
chegar ao oceano Atlântico.
Lembrando que já no final da
primeira metade do século XVIII, o Madeira era percorrido por coletores de
drogas, que visavam também escravizar índios. Nunca até então pretenderam,
porém, se fixar à terra ou nela produzir riquezas, mas somente iam buscar o
enriquecimento. Além desses, também existiam os capitães que se apoderavam dos
índios das missões, escravizando-os. Supostos dados revelam que naquele período
as trinta e duas tribos indígenas que existiam na foz do Rio Caiari (Rio
Madeira), foram pacificadas uma a uma pelos missionários, algumas com muita
resistência, principalmente em decorrência do comportamento dos colonizadores.
Os portugueses valiam-se principalmente
dos missionários, principalmente dos jesuítas, para dominarem os aguerridos
povos indígenas da região. Cabia aos padres a catequese e aos portugueses a
construção de fortins e povoados, embora estes viessem depois. Pelo rio Madeira
notabilizou-se o Padre João Sampaio, fundador da aldeia chamada Santo Antônio
das Cachoeiras, transferida de local várias vezes até fixar-se definitivamente
na parte superior da primeira cachoeira que tem este nome e onde floresceu, até
1910, um povoado cujas ruínas estão localizadas a sete quilômetros do ponto
inicial da construção da ferrovia Madeira Mamoré em 1907, que deu origem a
Porto Velho.
Em 1749, também o governador da
Capitania de Mato Grosso, instruído pela corte, proibia a intromissão de
particulares das povoações de seus domínios, reservando aos missionários o
privilégio da administração. Entretanto, não tardou muito e começaram os
julgamentos sobre o comportamento dos jesuítas, que eram acusados pelos brancos
(tidos pelos padres como predadores de índios) de serem conspiradores da coroa
junto aos espanhóis. Eles “juntavam-se uns aos outros visando tão somente aos índios e sua
pacificação, sem que os entregassem como escravos dos maiores portugueses”,
conforme fora relatado a Teotônio da Silva Gusmão – Juiz de Fora – que deveria
fundar a povoação de Nossa Senhora da Boa Viagem, nas imediações de Salto
Grande, a qual desde aquela época tornou o nome de Salto de Teotônio” [1]
, no rio Madeira e que chegara do Guaporé objetivando inclusive impedir
regatões espanhóis de burlarem o fisco do ouro, escoado rio abaixo.
Aleks Palitot
Professor Mestre e Historiador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário